terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Tale Spin

No meio de uma das quadras de basquete, lá no Parque do Ibirapuera, um grupo de jogadores esquece do jogo que tinha planejado e acompanha boquiaberto uma cena inusitada.

Próximo ao centro da segunda quadra, um homem de aproximadamente 25 anos está de braços abertos rodando freneticamente. Provavelmente é destro, porque a perna direita faz a maior parte do esforço. A esquerda parece funcionar mais como apoio ou eixo do movimento. De vez em quando, as duas pernas se mexem, parecendo uma mini-corrida em um minúsculo círculo imaginário no chão.

Abaixo de umas das tabelas, outro cara também jovem bate a cabeça no poste de metal repetidas vezes.

CLANG!

CLANG!

CLANG!

— Idiota! — sussurrava a cada cabeçada.

Após alguns minutos de pura contemplação, olhos arregalados e incompreensão, um dos jogadores resolveu perguntar para o "cabeceador" o que estava acontecendo.

Ele responde:

— Claro! Eu explico. Estão com tempo?

Tudo tinha começado no fim da semana passada. Na sexta à tarde.


As coisas estavam tranquilas depois do almoço.

O departamento discutia sobre as declarações da Rachel Sherazade e o adolescente que fora amarrado no poste. Alguns se exaltavam. Diziam: "daqui do ar-condicionado é fácil julgar as escolhas do menino!". Outros rebatiam: "Tem gente que é ruim mesmo. Não há condições sociais boas ou ruins que mudem a índole de uma pessoa!".

Era mais uma tarde ociosa para turbinar as proporções de algum fato inicialmente insignificante para as vidas deles. Um ibope que faltava para Rachel. Uma tentativa inútil para que seus editoriais não pareçam um piti ranhento-birrento.

Até que surgiu outro assunto: a professora da PUC que postou a foto de um homem vestindo regata e bermuda no aeroporto. Novo debate. Corta para o break! Já voltamos! Conhece a nova Tecpix?

Quando já faziam a associação da professora com os justiceiros que prenderam o menor no poste, Bernardo teve sua epifania.

Bernardo é o primeiro personagem de destaque nesta história. O excêntrico jovem que rodava na quadra de basquete do Ibira.

Ele pensou: "o cara da regata nem percebeu que estava sendo fotografado. A única pessoa que estaria sofrendo com o assunto é a própria professora.".

Todos em volta dele continuaram discutindo, mas era como se estivessem em um longo silêncio. Bernardo continuou refletindo: "o cara de regata estava cagando para toda a situação. Se a foto não tivesse viralizado tanto, ele nem saberia que a letrada professora com abstinência de glamour tinha feito chacota.".

E prosseguiu: "ele só queria ficar confortável. Conseguiu. Agora, se quiser, ainda fatura uma grana em algum processo sobre a mulher. Mas nem é esse o ponto. Ele estava no aeroporto como se fosse uma criança. Só preocupado com o próprio bem-estar. Não estava interferindo na vida alheia. É isso! Veja como ele está desencanado. Preciso ser mais como na minha infância!".

Até que disse em voz alta:

— Começo esta semana!

A discussão acaba. Todos olham para Bernardo, meio sem compreender, e voltam a trabalhar normalmente. Já era hora. Os outros colegas do departamento não estavam gostando do volume e exaltação da conversa.

Na cabeça de Bernardo, tudo estava claro. Era uma nova filosofia de vida.

Quais são as melhores características do nosso comportamento infantil? Sinceridade, autenticidade, alegria. Energia? Disposição? Talvez.

Contou a novidade para seu melhor amigo Paulo, conhecido até aqui simplesmente como o "cabeceador". Este, sabendo como funcionava a cabeça obstinada de Bernardo, fez um facepalm mental e já se preparou para as várias encrencas que estariam por vir.

Nos primeiros dias, Bernardo ficou sincero demais. Sem papas na língua.

Seu chefe chamou:

— Bernardo! Preciso do relatório de orçamento de material pronto às 17 horas.

— Bom, eu tive que refazer a planilha de horários de entrega nas filiais do país inteiro. Só consigo cumprir esse prazo se eu cagar meu próprio avatar de merda e arranjar um computador para ele fazer o serviço. O que acha? Pode me fornecer essas condições de serviço? — respondeu de bate-pronto.

— Strike um, Bernardo! — gritou o chefe, puto.

— Cara, o que você está fazendo? — perguntou um colega de Bernardo.

— Sendo espontâneo! — falou Bernardo — Strike um? Por um acaso isso é uma ameaça?

Levantou-se e foi até a sala do chefe. Lá de dentro, dava para ouvir algumas frases. Todos fizeram silêncio para acompanhar o diálogo.

— Você enlouqueceu? Esqueceu onde está? O que você pensa que está fazendo? Bernardo! Essa caneca foi meu filho que fez pra mim no Dia dos Pais! Pare!

— Estou fazendo meu avatar! Dá licença!

— Segurança!

Em torno de 7 seguranças carregaram um agitado Bernardo até a saída da empresa. Ele se debatia tanto que parecia o rabo de uma lagartixa que acabara de ser cortado. Ainda estava com as calças e cueca abaixadas até a altura do joelho.

Deitado na calçada, Bernardo levantou as calças e se sentou na guia. Após respirar algumas vezes, ligou para Paulo e contou o ocorrido.

— Você é pirado mesmo, cara. Vamos tomar umas brejas e conversar sobre isso.

— Beleza.

Paulo chegou de carro, pediu para Bernardo entrar e seguiram para o primeiro bar que encontraram em Moema. Um boteco de frente para a praça da igreja.

Bernardo não quis entrar.

— Espera! Não posso beber! Crianças não bebem!

Paulo respirou fundo e esfregou os olhos com as palmas das mãos.

— Tá. O que você quer fazer? Como as crianças fazem para afogar as mágoas?

— Tomar uma overdose de Yakult ou Chambinho não vai adiantar... Já sei! Vamos para o Parque do Ibirapuera.

Chegando lá, deixaram o carro em uma travessa da IV Centenário e a foram direto para as quadras de basquete.

Paulo pressentia que nada de bom poderia vir daquilo tudo, mas foi compreensivo ao máximo com seu amigo de infância que acabara de ser demitido. "Vamos ver aonde isso vai dar..." — pensou.

Foi quando Bernardo começou a girar no centro da quadra e gritava para explicar:

— É o único jeito de ficar tonto sem beber, fumar ou cheirar nada! Eu fazia isso quando tinha quatro anos e achava o máximo! Tenta também!

Paulo não acreditava no que via.

— Ber... Bernardo... Para com isso... Pa... Para! O que caralhas você está fazendo?

Com vergonha alheia, ainda pediu mais vezes para Bernardo parar. Em vão. Alguns minutos depois, o senso de responsabilidade com o amigo enlouquecido brigava com a vontade de ir embora. O conflito e o desespero fizeram Paulo bater com sua testa no poste da tabela de basquete.

A ambulância chegou meia hora mais tarde.

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