quinta-feira, 10 de julho de 2014

Ansiedade



Era uma sexta-feira qualquer. Estava entediado de pé em um metrô lotado tentando enviar um arquivo via WhatsApp para alguém. Não me lembro quem.

Falhou.

Novamente.

De novo.

Respirei fundo e desisti. Esperaria voltar à superfície da civilização para fazer isso sem me estressar.

Fiquei pensando. Não é por nada que as pessoas ficam estressadas em São Paulo. Aqui, te prometem uma cidade que oferece yakissobas e caldinho de mocotó às 3h da madrugada. A maioria das coisas 24 horas por dia.

E você acredita nisso.

Aí, acaba morando por aqui com essa expectativa.

Como é impossível saber onde começa o círculo vicioso, vamos escolher qualquer situação como ponto de partida.

O cara já vem para São Paulo porque é ansioso. Quer tudo na hora. Quer o tal caldinho de mocotó às 3h da manhã. Admira isso numa grande metrópole.

Já faz alguns anos que vive aqui e ele nunca pediu o tal caldinho. No máximo, foi ao Chico Hambúrguer 24 horas após uma balada.

O sujeito comprou um Punto Jet porque sempre soube que o transporte público da cidade é horrível, porém, começa a pegar um engarrafamento matador todos os dias.

Depois que viaja para Nova York, passa a admirar toda a malha de metrô da cidade e resolve aproveitar melhor o que tem em Sampa.

De repente, seu imediatismo ansioso, que já estava sendo duramente testado nos longos engarrafamentos provocados por motoboys que acham que dirigem ônibus e motoristas de ônibus que pensam que pilotam motos, é golpeado.

Já não adiantava costurar entre as faixas, ultrapassar pela direita ou dar uma escapada pelo corredor de ônibus. Enquanto ficava parado, via as mensagens dos grupos do WhatsApp e Facebook. Quando conseguia, ligava para alguém, só para ter com quem conversar.

No metrô, tudo piorou. Além das paradas operacionais, objetos na via e tentativas de suicídio, nesses momentos o sinal da Vivo também vive caindo.

Nada de 3G. Nada de Wi-fi. Reclamava que o Facebook era 50% pessoas felizes e 50% pessoas que se autointitularam formadores de opinião, mas naquela altura, sentia falta até desses posts.

No trabalho, ligava para seus colegas para ver se tinham recebido o e-mail.

Nas conversas de corredor, reclamava que as atualizações de sistema do PS3 demoravam muito tempo, embora levassem, no máximo, 10 minutos para acabar.

Enquanto o Windows ou qualquer outro software carregava, jogava Candy Crush. Mesmo que fosse só por alguns segundos.

Não utilizava mais Sedex para enviar qualquer coisa. Tinha que contratar um motoboy para ser mais rápido.

Enfim. Alguém ansioso quer tudo na hora. Surgem ferramentas que oferecem rapidez. Acontecem falhas diversas. Vem a frustração. Resultado: mais ansiedade.

Se a preguiça move a evolução, a ansiedade move a tecnologia.

São Paulo atrai porque tem tudo, só que ao mesmo tempo, nada funciona.

A gente contrata um pacote motherfucker na operadora de celular. Só que ficamos sem sinal em um monte de lugares.

Com 200 minutos no plano, a frase mais ouvida/falada é: "A ligação está falhando!".

Pega o Metrô para escapar do trânsito e não entra no vagão porque a estação está lotada.

Compra um carro 8.0 que é tão rápido quanto uma diarreia, e fica preso imóvel na 23 de maio.

Assina um pacote de internet banda larga em casa com 10 mega/segundo e a conexão é instável e a velocidade oficial é de 200 kb.

Contrata um motoboy para entregar as coisas rápido, mas depois sofre com a confusão que alguns deles causam nas avenidas.

Mas o caldinho de mocotó...  Esse você consegue às 3h da manhã. Às vezes.

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Admiração

Já admirei alguns colegas da escola.

Porque eles eram sociáveis e engraçados.

Hoje, só admiro os amigos próximos que ficaram na minha vida.


Admirava muito o Bruce Lee.

Porque ele descia o cacete em todo mundo.

Hoje, admiro as artes marciais apenas como uma forma de buscar equilíbrio e saúde.


Admirava os intelectuais.

Porque eles liam bastante e eram cultos.

Hoje, acho esse rótulo uma babaquice e admiro quem não vende qualquer tipo de auto-imagem.


Admirava os politizados.

Porque eles tinham opinião sobre tudo que acontecia com o país e sabiam com certeza o que precisava ser feito.

Hoje, enxergo o quanto esse eles são fechados em suas dogmas como nas piores religiões.


Admirava os apaixonados pelo futebol.

Porque eles realmente veneravam seus clubes na vitória e na derrota com o maior dos orgulhos.

Hoje, vejo corrupção por todos os lados, violência e cegueira por conveniência.


Admirava os paulistanos.

Porque eles eram trabalhadores, faziam horas extras e adoravam falar sobre o que acontece no próprio emprego.

Hoje, entendo que isso é um desperdício de vida e admiro quem consegue usar seu trabalho como uma ferramenta para se realizar, alcançar sonhos, fazer seus hobbies e viver melhor.


Já admirei os bem-sucedidos.

Porque eles tinham muito dinheiro, frequentavam lugares caros, festas badaladas, usavam grifes e consumiam coisas refinadas.

Hoje, acho que muitos desses lugares, serviços e produtos são um desperdício de tempo. Admiro um bom boteco com cerveja, petiscos e amigos.


Já admirei os briguentos.

Porque eles não desistiam até ganhar uma discussão e convenciam os outros a aceitarem seu ponto de vista.

Hoje, percebo o quanto essas discussões são desagradáveis e desnecessárias.


No fim, admiro tudo que aprendo.

Porque a sensação de perceber as coisas de maneiras diferentes do que eu via antes me deixa feliz.

Daqui uns anos, provavelmente eu vou olhar para o passado e me achar um completo idiota. Da mesma maneira que faço agora.

Mas isso é parte da experiência. Foda-se.

sexta-feira, 4 de abril de 2014

Dia de Fúria?

A ansiedade tinha começado no dia anterior. O tempo demorava para passar.

Ao longo do dia, tinha bebido cinco copos de café na máquina Nescafe do corredor. Ainda tinha uma gambiarra: doses duplas do "café curto". Dose dupla de cafeína.

Tudo isso somado ao fato de que tinha baixado o último episódio de sua série favorita.

Olhava de 15 em 15 minutos no relógio. Enquanto enrolava para fazer suas atividades, ameaçava abrir o arquivo que seu amigo tinha baixado. Estava tudo lá na pasta. MP4 e legendas em português. Assistiu à primeira cena. Parou. Queria ver com calma em casa. Fechou tudo e subiu para seu Dropbox.

Teria que aguentar mais algumas horas até o fim do expediente.

Deu tudo certo.

Chegou em casa em um bom horário. Precisava terminar algumas coisas antes de assistir. Queria deixar tudo preparado para que não tivesse qualquer interrupção. Esquentou a água do Cup Noodles, jantou, lavou a louça, tomou o resto da Coca 2l direto no gargalo e arrumou a bagunça do seu roommate na sala.

Em paralelo, deixou o notebook ligando para que, logo que acabasse as tarefas, sentaria na cama só de cueca para saciar a curiosidade do episódio final.

No fim, o encerramento da série foi como ele esperava. Emocionante, engraçado e intrigante. Mal dormiu durante a noite. Claro que o problema pode ter sido a quantidade de cafeína que ingeriu pouco antes.

Mas o foco desta história é outro.

No dia seguinte, estava no ônibus. A ironia da insônia é o momento que a sonolência chega de verdade. Entre 2h e 3h parecia estar completamente acordado, mas quando o despertador toca às 7h, parece que você está tentando levantar de uma cama feita de Chandelle movediço.

Com aquele ânimo, fechava os olhos e tentava dormir sentado no banco. Ainda estava afobado e ansioso. Não conseguiu dar nem mesmo uma pescada. Aproveitou para resolver algumas coisas pelo telefone.

Era um dia bem quente de outono e o trânsito estava engarrafado. O sol e o calor já começavam a incomodar. Isso não era nada perto da ligação que caía o tempo todo. Ele queria que enviassem uma nova via de um boleto que tinha perdido.

O sinal da Vivo sumiu cinco vezes seguidas. Uma enquanto ouvia as opções:

— Para atendimento, tecle 1. Para nova via de boleto, tecle 2. Para sugestões, reclamações, tecle... PUF!

Bufou. Tentou a segunda. Rede ocupada.

Terceira. Antes de ouvir as instruções, teclou 2. Começou a chamar. Caiu a linha novamente. Sua pele começou a ficar avermelhada.

Quarta vez. Teclou 2. Chamando... Chamando... Tuuuuu... Tuuuuu... Tuuuuu... Cruzou os dedos. Descruzou-os. Fez figa. Caiu de novo.

Quinta vez. Já apertou o 2 com mais força que o normal. Ficou até a marca redonda do dedo na tela touchscreen. Estava quase desistindo. Atenderam! Viva!

— Leilane, bom dia! Como posso ajudá-lo?  — a atendente respondeu.

— Eu perdi meu boleto e gostaria de uma nova via.

Passou os dados que foram solicitados. Nome completo e CPF.

— Ok! Estarei encaminhando a nova via do boleto via e-mail. Pode me confirmar, por favor?

—É M, P, da silva, arroba... PUF! — caiu a ligação de novo.

Tirou o telefone da orelha e, com o aparelho ainda apertado em sua palma, a mão direita começou a tremer. Mordeu tão forte o lábio que chegou a sangrar. Já tinha arrancado pelinha uns dias antes.

Olhou para os lados e não resistiu: arremessou o telefone com toda força pela janela.

Dizem que um acidente nunca é provocado por um fator isolado, e sim por um conjunto de incidentes que acontecem ao mesmo tempo.

Nesse caso, foi um surto de fúria coletiva. Outra passageira no ônibus discutia com o namorado em alto volume. Constrangedor para alguns e irritante para outros que se viam atrasados a seus compromissos. O engarrafamento continuava.

Assim que o celular foi arremessado pela janela, a explosão se contagiou pelo ônibus.

— CALA A BOCA! — um homem gritou para a mulher que brigava com o namorado.

— VAI SE FODER! CUIDA DA TUA VIDA! — ela respondeu.

— VAMO PARAR COM ESSA PUTARIA AÍ! — esbravejou o motorista, emputecido com o trânsito parado — ANDA! ANDA, CARALHO! — buzinou aos berros.

Os carros da frente andaram um pouco, mas nem deu tempo para o micro-ônibus andar. Um grupo de 15 pessoas, começou a balançar o veículo. Ele se solidarizaram com a mulher que foi atingida na testa pelo celular e estava tonta.

Cada um deles também tinha seus motivos para ficar tão insano de raiva. O Itaquerão incompleto, o seguro do carro, porrada do dedinho do pé na mesa da sala, uma mancha de café no meio da camisa branca, cheque especial, pisada na poça d'água com sapato de pano...

Enquanto o micro-ônibus balançava de um lado para outro como o barco viking do extinto Playcenter, os passageiros trocavam socos. Uns tentando escapar pela porta, outros direcionados à mulher do celular, que retribuía sem parar de xingar o namorado:

— ELES ESTÃO ME BATENDO! NÃO ESTÁ OUVINDO, SEU IDIOTA?

Os 15 da rua conseguiram finalmente virar o micro-ônibus. Apenas alguns passageiros ficaram feridos, mas mesmo assim, quebraram os vidros e saíram do veículo. Saltaram na rua e gritaram.

Foram em direção de todos os carros em volta com chutes e voadoras nos vidros. Em uma das esquinas, um homem segurava outro pelo pescoço e batia com sua cabeça no vidro traseiro de um Uno estacionado.

Na confusão, voavam extintores, caixas de aspargos do Ceasa, fardos de feno, embalagens de serpentinas, travesseiros, próteses de silicone, coturnos, árvores de natal, cintos, tilápias mortas, perucas ruivas e globos terrestres.

O caos se instalou naquele ponto da cidade e foi só aumentando. Em tempo recorde, a epidemia de fúria já tinha tomado três bairros. Prédios incendiados, vidraças estilhaçadas e alguns corpos nocauteados nas calçadas.

A polícia militar foi acionada. Todos pareciam bem nervosos também. Não foram orientados a dialogar e já chegaram disparando bombas de fumaça.

A população ignorou e avançou como um bando de formigas procurando alimento. Atravessaram a tóxica cortina branca e toda a tropa da PM foi atropelada. Mal tiveram uma chance de reagir, se defender ou até mesmo de pedir reforço.


Insatisfeitos com mais essa roubada, os policiais jogaram os escudos no chão e se juntaram ao Exército dos Putos, nome criado por Datena para definir o grupo que aumentava e caminhava unido sem direção.

Da mesma maneira que começou, o frenesi acabou. Uns se deram conta que tinham que fazer o jantar. Outros, ainda precisavam ir ao trabalho. O segurança da rua encontrou um amigo e ambos sorriram ao lembrar da vitória por 2 a 0 do tricolor. Os integrantes foram pouco a pouco se desgarrando por completo.

Mesmo assim, as autoridades passaram a temer que outro evento como esse ocorresse: o dia em que todo mundo ficou puto ao mesmo tempo.

No Guinness Book, o recorde foi registrado como "a maior quantidade de pessoas enfurecidas em uma caminhada de 50 km: 643 mil pessoas".

segunda-feira, 24 de março de 2014

Fake-up


Era seu primeiro dia de estágio.

Tinha altas expectativas. Durante a entrevista, o coordenador de criação disse que ele teria um grande aprendizado. Supervisão com profissionais renomados e premiados no mercado. A prateleira da sala de reunião tinha alguns leões de Cannes, entre outros troféus, como Prêmio Abril, El Ojo e Caborés.

— Preciso me preparar. Quero me enturmar logo, fazer contatos e aumentar meu networking. Já atualizei e tirei uma foto legal para colocar no Linkedin e fiz uma limpa dos meus posts do Facebook. Agora, preciso ver se minha pesquisa e treinamento deram certo! — estabeleceu como meta para si mesmo.

O treinamento em questão consistia em ler o livro "Como fazer amigos e influenciar pessoas" e tentar parecer o cara mais descolado possível. Foi a característica que usou para definir seus futuros colegas publicitários.

Baixou a discografia completa do Muse, Strokes, Mumford and Sons e 30 Seconds to mars. Descobriu que The Killers e Foo Fighters eram clássicos. Lera que, quem gostava de rock, teria mais chances de prosperar no mundo das agências. Ao mesmo tempo, não podia ser qualquer banda. Tinham que ser aquelas que foram fabricadas para ser alternativas. Aquelas que seus colegas diriam que gostavam menos hoje em dia porque se tornaram mainstream, mesmo assim, mantinham todos os MP3 em seus iTunes.

Era importante conhecer bandas que "não faziam sucesso" e um grande prazer dizer que conhecia antes de todo mundo.

Reformou seu guarda-roupas. Comprou sete camisetas da Camiseteria. Uma para cada dia da semana.

— Filho, por que sete? Você vai trabalhar só de segunda a sexta.

— Mãe, é porque em agências é comum trabalhar de fim de semana. É bom para a imagem e carreira. Tenho que estar preparado, mostrar disposição e proatividade para isso!

Até que chegou o grande dia. Estava com dúvidas sobre o horário de chegada. O entrevistador disse que o horário de chegada variava entre 9h e 9h30. Para não ter qualquer problema, prevaleceu a regra antiga de etiqueta corporativa: apareceu na agência logo no primeiro horário.

A menina do RH o levou até a Criação. Seu coordenador ainda não tinha chegado.

Todo o discurso estava ensaiado. Assim que sentasse em sua nova mesa, diria empolgado que estava ansioso para o Lollapalooza e perguntaria para o colega ao lado, para puxar assunto, "qual show você vai ver?".

Foi um dos primeiros a ligar o computador na Criação. Era um iMac. Estava impressionado e feliz de trabalhar com aquele enorme monitor prateado e fininho. Só não tirou uma foto para não parecer turista demais. Pensava: "fica calmo! Fica calmo!".

A enorme mesa com mais nove iMacs continuava vazia. Parecia uma merendeira de refeitório. Havia brinquedos do Mc' Donalds de várias gerações.

Olhou para o Billy, a Mandy, o Puro-Osso, a Turma do Bairro e os Minions. Imaginou quando ganharia seu primeiro prêmio. Lembrou dos relatos de festas de alguns de seus amigos que já trabalhavam na área. As putarias, o open bar e as baladas da moda fechadas só para a confraternização.

— Será que é igual ao Mad Men? — pensou.

Já vislumbrou seus Tweets e posts de Facebook dos momentos em que estaria trabalhando demais.

Na sexta à noite: "Amanhã estou aqui de novo! :( Mas bora lá porque é o que eu amo fazer! #vidadepublicitarionaoefacil".

Ou então: "Madrugada na agência... O bom é que a internet está rápida pra c@r@&%! #quemmandouescolherpublicidade".

Os posts tinham que dúbios: reclamar que estava trabalhando demais, mas ao mesmo tempo, mostrar a paixão exacerbada pela profissão.

Mensagens assim nas redes sociais eram necessárias porque mostram o quanto se está dedicado ao emprego. Isso é muito valorizado em São Paulo.

A piada/pergunta: "É meio período?", quando alguém vai embora antes de você, tem que estar engatilhada perto das 18h.

Ficou viajando assim até umas 10h15, quando chegou um cara com o cabelo preto até a cintura, barba cerrada, coturno, calça jeans e camiseta preta lisa.

— Opa! Beleza! Você é o novo aspira de redação? Meu nome é Diogo! — disse o cabeludo.

— E aí? Sou sim! Comecei hoje! Meu nome é Theodoro! O pessoal me chama de Theo!

— Theodoro? Ah, não! Aqui, a gente chama os estagiários de Gilmar. Você é o Gilmar III.

— Hahaha! Beleza!

Levou na boa. As outras pessoas começaram a completar a mesa. Alguns se apresentaram, outros não. Todos estavam meio sonolentos e a manhã seguiu meio silenciosa até a hora do almoço.

Nenhum job tinha aparecido para Gilmar III, que acessou o Blueprint, Ads of the world e the FWA para procurar referências, conforme seu professor indicou.

Postou no Facebook: "Primeiro dia em uma agência grande. #conquista #delorean #felizpracaraio". Recebeu seus likes e comentários de parabéns.

Já não tinha mais o que procurar na internet. Era necessário quebrar o gelo e puxar assunto.

Respirou fundo e perguntou para Diogo:

— E aí? Vai no Lollapalooza? Estou ansioso para ver o Arcade Fire!

— Rolla Pra Loser? Hahaha! Numa boa, cara! Eu detesto esse festival e todas as bandas que tocam lá.

E foi a primeira vez que o mundo de Theo caiu.

A segunda, foi quando precisou fazer o texto de e-mail marketing temático de Dia de Finados. Ia rolar um feirão de apartamentos perto da data.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Lesma


Era uma tarde preguiçosa no domingo de Carnaval. Esperava por alguns amigos no quiosque bem em frente à praia das Astúrias.

Eu tinha sido o único a acordar sem ressaca naquele dia e resolvi tomar umas brejas até eles chegarem. Aproveitei para ler meu livro em algum lugar que tivesse luz. Mentira. Eu poderia acender as luzes sem incomodar ninguém no apartamento, mas a cerveja tinha acabado.

A praia estava movimentada. Tanto que não conseguia prestar atenção na minha leitura. Resolvi olhar o mar, aproveitar a brisa e continuar com a cerveja.

De vez em quando, dava umas folheadas no livro. Abria em páginas aleatórias anteriores só para confirmar se eu tinha guardado o conteúdo. Coisa besta.

A cerveja estava deliciosamente gelada. Não me lembro se era Original ou Serra Malte. Quando estava para tomar mais um gole, um Uno novo verde lumicolor estacionou na rua de frente para a praia.

De lá, desceu um casal de mãos dadas. Tinham aproximadamente uns 25 anos. A menina carregava na mão esquerda um travesseiro. O cara acompanhava seus passos enquanto olhava se podia travar o carro e acionar o alarme.

Logo atrás deles, vieram uma amiga e um amigo. Obviamente não estavam juntos, mas claramente ele estava tentando alguma coisa. O primeiro casal ia bem mais na frente para dar mais tempo a sós para os amigos.

A menina arrastava uma mala com rodinhas pela calçada. O menino se ofereceu para ajudar.

— Dá aqui que eu levo! — com o esboço de um sorriso.

— Não! Eu levo! — ela respondeu, também sorrindo.

— Dá aqui! — e tomou a mala da mão dela. Ela riu.

A abordagem foi rude, mas bem-humorada. Ele queria deixar sua gentileza e cavalheirismo nas entrelinhas. É aquela insegurança. As gentilezas escapavam aos poucos. Parecia uma criança com boia de dinossauro tentando entrar na água gelada. Mergulhava o dedão, sentava na borda da piscina com as canelas enfiadas na água, molhava a mão direita... Tudo isso poderia resultar num mergulho ou não.

Lembrei na hora de uma viagem que fiz com dois casais de amigos. Uma lembrança que dá vontade de pegar uma máquina do tempo e me estapear cinco vezes na cara lá na época.

Já saíamos bastante juntos. Eu era o único solteiro daquela turma. Não era tão constrangedor. Eles diziam: "não são dois casais e um solteiro. São cinco amigos!". Era verdade. Eu acreditava. Acho que eu era divertido o suficiente para me quererem por perto.

Um dia, a irmã de uma das meninas terminou seu namoro. Ela passou a acompanhar a galera nos encontros.

Sempre fui lerdo. E sempre duvidei da minha percepção. Hoje, sobram facepalms quando essas coisas surgem de repente na cabeça.

Tínhamos ido a uma churrascaria quando a conheci. Falei minhas besteiras normalmente. Sem nervosismo. Vagamente lembro de umas trocas de olhares. Nada demais.

Semanas depois, fomos todos para um bar. Rolaram cervejas e algumas doses de tequila naquele sábado à noite. Entre risos descontrolados e longas abobrinhas, não sei exatamente de onde veio a ideia, mas combinamos uma viagem no próximo feriado prolongado. Todos juntos. Todos toparam.

Cada "casal" ficaria em um chalé.

Ainda no bar, ideias de bêbados, fizeram com que eu assinasse em um guardanapo o termo de compromisso de que não haveria investidas na menina enquanto estivéssemos no quarto. Como se eles não me conhecessem.

A viagem até a cidade foi um pouco mais estranha. Surgiam alguns momentos no banco de trás em que faltava assunto. Nada de muito anormal.

Olhando para trás, se fosse escrever uma carta para meu eu do passado, diria que o erro número um fora cometido logo no check-in. Chegando no chalé que dividiríamos, havia uma cama de casal e outra de solteiro.

Em minha proativa e estúpida gentileza típica dos "nice guys finish last", escolhi a cama de solteiro. BAM! O primeiro passo para a tão temida friendzone.

Foram três diárias. Tínhamos levado bebidas variadas. A tequila era a favorita. Unanimidade. Logo no primeiro shot, quis mostrar virilidade e virei um copo descartável que equivalia a uma dose maior que a normal. Acho que deu para ver o movimento do meu estômago e toda a contração da minha caixa torácica tentando devolver o líquido em um misto de engasgo, soluço e refluxo. Todos se espantaram, mas deu tudo certo. A tiração de sarro até que foi curta.

Mais álcool madrugada a dentro. Risadas, besteiras, risadas, zoeira, risadas, sarros. Eu fazia o alvo gargalhar. Acho que foi um ponto positivo. Só não me lembro se eram palhaçadas que queimavam meu filme.

Lá pelas 3 horas, o primeiro casal se cansou e foi dormir. Despediram-se. Foi a nossa deixa. Aproveitamos e fomos também para o nosso quarto.

Deitei na minha cama de solteiro e ela, na dela de casal. Conversamos por mais algumas horas. Até reclamaram das gargalhadas dela durante o silêncio da pousada. Mas no fim, dormimos. Como nos outros dias até o fim da estada. Cada um em sua cama.

Acho que o momento mais próximo que tivemos foi quando deitamos juntos na cama de casal, bêbados, para tirar umas selfies com uma máquina fotográfica analógica. Nem sei aonde foram parar essas fotos. Também não me lembro porque naquele momento acabou não rolando nada.

Faz muito tempo que não vejo ou falo com qualquer um daqueles cinco. Um casal se desfez, outro já teve filhos. A prospect já deve até estar casada.

Nossa! Parece até uma daquelas histórias sem-graça. Mas a vida é assim. Repleta de coisas sem-graça. Sem cor. Sem grandes reviravoltas. Todos os dias isso acontece.

Muitas vezes, são justamente esses capítulos tediosos que reaparecem na memória. Quando você pensa no que você teria feito de diferente. Quando imagina o que tornaria aquele momento um post de Facebook memorável e colocaria as fotos em um álbum chamado "A vida é tão boa!!!".

Depois da sessão nostalgia, continuei bebendo minha cerveja no quiosque. Uma meia hora depois, meus amigos e minha namorada desceram do apartamento para me acompanhar.

Foi quando me dei conta. Será que eu teria me tornado um putão-comedor depois daquela viagem? Difícil. Mais confiante? Talvez. Qual o rumo que a minha vida teria tomado? O ponto é que estava satisfeito com tudo.

No fim, o mais interessante dessa história é contar que fiquei no mesmo quarto e mesma cama da pessoa que eu gostava. E não fiz nada. Slowpoke!

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Tale Spin

No meio de uma das quadras de basquete, lá no Parque do Ibirapuera, um grupo de jogadores esquece do jogo que tinha planejado e acompanha boquiaberto uma cena inusitada.

Próximo ao centro da segunda quadra, um homem de aproximadamente 25 anos está de braços abertos rodando freneticamente. Provavelmente é destro, porque a perna direita faz a maior parte do esforço. A esquerda parece funcionar mais como apoio ou eixo do movimento. De vez em quando, as duas pernas se mexem, parecendo uma mini-corrida em um minúsculo círculo imaginário no chão.

Abaixo de umas das tabelas, outro cara também jovem bate a cabeça no poste de metal repetidas vezes.

CLANG!

CLANG!

CLANG!

— Idiota! — sussurrava a cada cabeçada.

Após alguns minutos de pura contemplação, olhos arregalados e incompreensão, um dos jogadores resolveu perguntar para o "cabeceador" o que estava acontecendo.

Ele responde:

— Claro! Eu explico. Estão com tempo?

Tudo tinha começado no fim da semana passada. Na sexta à tarde.


As coisas estavam tranquilas depois do almoço.

O departamento discutia sobre as declarações da Rachel Sherazade e o adolescente que fora amarrado no poste. Alguns se exaltavam. Diziam: "daqui do ar-condicionado é fácil julgar as escolhas do menino!". Outros rebatiam: "Tem gente que é ruim mesmo. Não há condições sociais boas ou ruins que mudem a índole de uma pessoa!".

Era mais uma tarde ociosa para turbinar as proporções de algum fato inicialmente insignificante para as vidas deles. Um ibope que faltava para Rachel. Uma tentativa inútil para que seus editoriais não pareçam um piti ranhento-birrento.

Até que surgiu outro assunto: a professora da PUC que postou a foto de um homem vestindo regata e bermuda no aeroporto. Novo debate. Corta para o break! Já voltamos! Conhece a nova Tecpix?

Quando já faziam a associação da professora com os justiceiros que prenderam o menor no poste, Bernardo teve sua epifania.

Bernardo é o primeiro personagem de destaque nesta história. O excêntrico jovem que rodava na quadra de basquete do Ibira.

Ele pensou: "o cara da regata nem percebeu que estava sendo fotografado. A única pessoa que estaria sofrendo com o assunto é a própria professora.".

Todos em volta dele continuaram discutindo, mas era como se estivessem em um longo silêncio. Bernardo continuou refletindo: "o cara de regata estava cagando para toda a situação. Se a foto não tivesse viralizado tanto, ele nem saberia que a letrada professora com abstinência de glamour tinha feito chacota.".

E prosseguiu: "ele só queria ficar confortável. Conseguiu. Agora, se quiser, ainda fatura uma grana em algum processo sobre a mulher. Mas nem é esse o ponto. Ele estava no aeroporto como se fosse uma criança. Só preocupado com o próprio bem-estar. Não estava interferindo na vida alheia. É isso! Veja como ele está desencanado. Preciso ser mais como na minha infância!".

Até que disse em voz alta:

— Começo esta semana!

A discussão acaba. Todos olham para Bernardo, meio sem compreender, e voltam a trabalhar normalmente. Já era hora. Os outros colegas do departamento não estavam gostando do volume e exaltação da conversa.

Na cabeça de Bernardo, tudo estava claro. Era uma nova filosofia de vida.

Quais são as melhores características do nosso comportamento infantil? Sinceridade, autenticidade, alegria. Energia? Disposição? Talvez.

Contou a novidade para seu melhor amigo Paulo, conhecido até aqui simplesmente como o "cabeceador". Este, sabendo como funcionava a cabeça obstinada de Bernardo, fez um facepalm mental e já se preparou para as várias encrencas que estariam por vir.

Nos primeiros dias, Bernardo ficou sincero demais. Sem papas na língua.

Seu chefe chamou:

— Bernardo! Preciso do relatório de orçamento de material pronto às 17 horas.

— Bom, eu tive que refazer a planilha de horários de entrega nas filiais do país inteiro. Só consigo cumprir esse prazo se eu cagar meu próprio avatar de merda e arranjar um computador para ele fazer o serviço. O que acha? Pode me fornecer essas condições de serviço? — respondeu de bate-pronto.

— Strike um, Bernardo! — gritou o chefe, puto.

— Cara, o que você está fazendo? — perguntou um colega de Bernardo.

— Sendo espontâneo! — falou Bernardo — Strike um? Por um acaso isso é uma ameaça?

Levantou-se e foi até a sala do chefe. Lá de dentro, dava para ouvir algumas frases. Todos fizeram silêncio para acompanhar o diálogo.

— Você enlouqueceu? Esqueceu onde está? O que você pensa que está fazendo? Bernardo! Essa caneca foi meu filho que fez pra mim no Dia dos Pais! Pare!

— Estou fazendo meu avatar! Dá licença!

— Segurança!

Em torno de 7 seguranças carregaram um agitado Bernardo até a saída da empresa. Ele se debatia tanto que parecia o rabo de uma lagartixa que acabara de ser cortado. Ainda estava com as calças e cueca abaixadas até a altura do joelho.

Deitado na calçada, Bernardo levantou as calças e se sentou na guia. Após respirar algumas vezes, ligou para Paulo e contou o ocorrido.

— Você é pirado mesmo, cara. Vamos tomar umas brejas e conversar sobre isso.

— Beleza.

Paulo chegou de carro, pediu para Bernardo entrar e seguiram para o primeiro bar que encontraram em Moema. Um boteco de frente para a praça da igreja.

Bernardo não quis entrar.

— Espera! Não posso beber! Crianças não bebem!

Paulo respirou fundo e esfregou os olhos com as palmas das mãos.

— Tá. O que você quer fazer? Como as crianças fazem para afogar as mágoas?

— Tomar uma overdose de Yakult ou Chambinho não vai adiantar... Já sei! Vamos para o Parque do Ibirapuera.

Chegando lá, deixaram o carro em uma travessa da IV Centenário e a foram direto para as quadras de basquete.

Paulo pressentia que nada de bom poderia vir daquilo tudo, mas foi compreensivo ao máximo com seu amigo de infância que acabara de ser demitido. "Vamos ver aonde isso vai dar..." — pensou.

Foi quando Bernardo começou a girar no centro da quadra e gritava para explicar:

— É o único jeito de ficar tonto sem beber, fumar ou cheirar nada! Eu fazia isso quando tinha quatro anos e achava o máximo! Tenta também!

Paulo não acreditava no que via.

— Ber... Bernardo... Para com isso... Pa... Para! O que caralhas você está fazendo?

Com vergonha alheia, ainda pediu mais vezes para Bernardo parar. Em vão. Alguns minutos depois, o senso de responsabilidade com o amigo enlouquecido brigava com a vontade de ir embora. O conflito e o desespero fizeram Paulo bater com sua testa no poste da tabela de basquete.

A ambulância chegou meia hora mais tarde.