quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Avenida das Nações Unidas

eu tenho
consciência
da minha
displiscência
para fazer versos.

leio
e sinto nada
igual
psicopata
só aliteração.

eu só
imagino
professor
de cursinho
lendo empolgado

a grande
ironia
é que acho
poesia
chato pra caralho.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Caguei

Rodando o copo e sentindo o aroma da bebida.
— Nossa, que cerveja é essa?
— É a gelada.

— Para mim, Muse é a melhor banda do mundo!
— Sabe a diferença entre a sua opinião e uma pizza?
— Não.
— É que a pizza eu vou pedir hoje à noite.

— Caraca! Faltam só 2 meses para acabar 2013!
— Permita-me discordar do que você falou. Anos são apenas enganações. O que muda entre o Natal e o Ano Novo? Nada! Seu dia vai ser o mesmo. Você vai dormir, acordar, trabalhar e fazer suas coisas.
— Foda-se.

— Comecei a ler Universo numa casca de noz!
— É uma bosta! Quando você conseguir ler uma tese de verdade, você vai ter meu respeito.
— Na boa? Caguei pro seu respeito.

sábado, 12 de outubro de 2013

Bode

Andava com bode de gente.

A situação piorou quando pegou mais um livro do Bukowski para ler. Gostava muito do estilo dele. Não era a crueza de como ele descrevia as cenas, a vida, as corridas de cavalo ou as trepadas. Era a maneira como Buk aloprava a intelectualidade.

Estava de saco cheio das pessoas que tentavam mostrar o tempo todo que sabiam alguma coisa. Sentido da vida: comer, reproduzir, sobreviver e se mostrar.

Aos poucos, evitava entrar em discussões. Há tempos que elas não têm o objetivo da iluminação, como os antigos filósofos queriam. Hoje, toda discussão é só uma batalha de egos. Tipo Pokemon. O importante é a vitória, mesmo que você se descubra como errado em algum momento.

Acho que era por isso que não conseguia ler na cama. Por mais que fosse um livro que gostasse muito. Deitado, não conseguia fugir da rajada de pensamentos metralhando sua cabeça.

Lembrou das vezes em que preferiu ficar calado para não se meter em uma conversa inútil. Seus amigos falavam sobre jazz na hora do almoço. Com um tom de voz muito alto e desnecessário. "Para que isso?", pensava. "Claro que é para mostrar aos outros que são descolados, cool e entendem de jazz.".

Era possível sentir no ar a ansiedade de cada um dos participantes do culturalmente rico diálogo. Arregalavam os olhos e nem prestavam atenção no que o outro estava falando. Só ouviam o suficiente para dar sua importante contribuição ao assunto. Aguardavam ansiosamente o momento e na primeira brecha, se aliviariam com a descarga de conhecimento represado.

Quando o clima ficava assim, resolvia não se meter. O que o deixava agoniado era quando via que falavam algo errado. Queria entrar na história e dizer a resposta correta. Mas se controlava. Era melhor deixar do jeito que estava.

Aos poucos eliminava do seu sentido de vida a necessidade de se mostrar. Ainda cometia alguns deslizes. Lembrou de quando queria espalhar indignação e mensagens para acordar os brasileiros. Queria escrever críticas sociais na internet. Queria ser formador de opinião. Queria protestar sem tirar a bunda da cadeira. Sonhava em se alistar no Sea Shepherd para participar do Whale Wars.

Tentou ser politizado e quis ser religioso.

O interessante é que ao assumir uma posição em qualquer um desses assuntos, e ainda escrever, ficava desconfortável. Sentia que havia algo errado. Acho que é porque lidava com as coisas de maneira absoluta.

Nada deu certo e não se envergonhava de ter falhado, e sim de ter tentado. Mostrar-se entendido de qualquer assunto era o que ele mais abominava. Queria assumir para sua vida que o importante era saber e não que os outros soubessem que você sabe.

Ficava pensando nisso tudo até adormecer, e com toda essa avalanche na cama, só conseguia ler no ônibus.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Esfinge

Todas as segundas e quartas, tem o curso de pós-graduação em Psicologia Hospitalar.

Clarice se formou na faculdade em 2002. Por conta das oportunidades disponíveis no mercado, iniciou um estágio em Recursos Humanos no segundo ano, mas nunca abandonou seu sonho de ser psicóloga na área da saúde.

Por conta desse desejo, mesmo na época em que estagiava e era efetivada no RH da Pássaros de Goiânia Construção e Vendas, fez quatro pós-graduações: uma em Psicologia da Saúde, outra em Psicossomática, além das especializações em Psicanálise moderna e Psicopatologia de Lacan.

E ia para a nova pós todas as segundas e quartas. Sempre com seus óculos de armações grossas azuis, seus cabelos soltos, na altura dos ombros, com reflexos loiros e seu tablet com teclado físico. Tinha uma coleção de sapatos sociais com um saltinho de 5 cm que combinavam com outro conjunto de terninhos sociais.

Chegava às aulas geralmente com um pão de batata, mas dependendo da pressa (e das nóias com o peso) às vezes recorria a seu estoque de barrinhas de cereal, que sempre comprava em um atacadista perto da empresa.

Cinco anos de faculdade até 2002, mais quase 10 anos de pós-graduações, e ainda assim Clarice continuava pensando em descobrir um manual de instruções ou guia infalível ilustrado para o comportamento humano.

Assistia demais a séries como "House", "The Mentalist", "Bones" e "Lie to me". Achava que conseguia reparar nos mesmos detalhes que os protagonistas dos seriados, tanto em entrevistas de processo seletivo na Pássaros de Goiânia, quanto em seus escassos atendimentos psicoterapêuticos.

Apesar do forte barulho "toc-toc" que seus sapatos faziam no chão a cada passo que dava, Clarice parecia flutuar no ar. Fazia questão de olhar nos olhos das pessoas com quem conversava.

A máscara de psicóloga clínica nunca saía de seu rosto. No trabalho, quando atendia a algum funcionário da empresa, tinha o seguinte ritual:

— Bom dia, Clarice! Posso tirar uma dúvida com você?

— Claro! — respondia. E tirava os óculos, deixava sobre a mesa e colocava a mão direita no queixo, com o dedo indicador na sua bochecha apontando para a orelha. Era um detalhe importante que tinha lido em um livro de linguagem corporal: seu dedo indicava o ouvido para mostrar que estava aberta a ouvir.

Enquanto falavam com ela, Clarice fazia uma expressão facial de profunda reflexão sobre o que a pessoa estava dizendo. Franzia a testa, sorria e acenava discretamente com a cabeça para mostrar concordância. Quando necessário, também fechava levemente os olhos e contraía a boca. Tudo dependia do assunto tratado. Ela tinha um leque enorme de expressões para incentivar quem estava falando.

Quando Clarice se formou na faculdade, passou a sentir que podia conversar de igual para igual com seus professores. Agora, eles são colegas de trabalho. Uma postura que digamos, tumultuou todas suas aulas em todos os cursos de pós-graduação que fez.

Porém, a gota d'água foi na última quarta-feira.

O professor discutia um caso clínico de outra aluna com a sala de aula. Em algum momento, ele pediu para a aluna investigar melhor o caso com o paciente.

Citou uma recente pesquisa relacionada ao assunto. Os resultados do trabalho em questão denunciavam várias inconsistências nos comportamentos e reações do paciente da aluna. No caso, ele seria uma gigante exceção a uma forte tendência comportamental.

Claro. Exceções podem ocorrer. Pesquisas não são manuais de comportamento humano. O professor pediu apenas para a aluna investigar melhor. E ela aceitou o conselho.

O problema foi quando Clarice resolveu se meter no debate. Parte por necessidade de autoafirmação, parte por não respeitar muito aquele colega de trabalho que ministrava aulas. Contou um caso clínico parecido e questionou:

 — Quer dizer que ela não pode acreditar no paciente dela? E a relação de confiança? Comigo aconteceu algo bem parecido! — a ironia aqui é Clarice ser fã de House, que afirma: "everybody lies!".

A discussão continuou por alguns minutos. Na cabeça de todos, a balança pesava: trabalho de pesquisa internacional X crazy bitch com três casos clínicos na carreira.

E prosseguiu. Duas alunas aproveitaram para ir ao banheiro. O professor bufava. A mais novinha do curso dormia na cadeira. Outra mulher acessava ao Facebook.

O único homem da sala, com 1,90 m de altura, ficou puto. Levantou da cadeira dele e foi em direção à Clarice.

Como um príncipe, levantou-a nos braços.

E como um ogro, jogou-a pela janela da sala de aula, no corredor da universidade.

Ele foi expulso do curso. Clarice vai voltar na segunda seguinte.