sábado, 12 de outubro de 2013

Bode

Andava com bode de gente.

A situação piorou quando pegou mais um livro do Bukowski para ler. Gostava muito do estilo dele. Não era a crueza de como ele descrevia as cenas, a vida, as corridas de cavalo ou as trepadas. Era a maneira como Buk aloprava a intelectualidade.

Estava de saco cheio das pessoas que tentavam mostrar o tempo todo que sabiam alguma coisa. Sentido da vida: comer, reproduzir, sobreviver e se mostrar.

Aos poucos, evitava entrar em discussões. Há tempos que elas não têm o objetivo da iluminação, como os antigos filósofos queriam. Hoje, toda discussão é só uma batalha de egos. Tipo Pokemon. O importante é a vitória, mesmo que você se descubra como errado em algum momento.

Acho que era por isso que não conseguia ler na cama. Por mais que fosse um livro que gostasse muito. Deitado, não conseguia fugir da rajada de pensamentos metralhando sua cabeça.

Lembrou das vezes em que preferiu ficar calado para não se meter em uma conversa inútil. Seus amigos falavam sobre jazz na hora do almoço. Com um tom de voz muito alto e desnecessário. "Para que isso?", pensava. "Claro que é para mostrar aos outros que são descolados, cool e entendem de jazz.".

Era possível sentir no ar a ansiedade de cada um dos participantes do culturalmente rico diálogo. Arregalavam os olhos e nem prestavam atenção no que o outro estava falando. Só ouviam o suficiente para dar sua importante contribuição ao assunto. Aguardavam ansiosamente o momento e na primeira brecha, se aliviariam com a descarga de conhecimento represado.

Quando o clima ficava assim, resolvia não se meter. O que o deixava agoniado era quando via que falavam algo errado. Queria entrar na história e dizer a resposta correta. Mas se controlava. Era melhor deixar do jeito que estava.

Aos poucos eliminava do seu sentido de vida a necessidade de se mostrar. Ainda cometia alguns deslizes. Lembrou de quando queria espalhar indignação e mensagens para acordar os brasileiros. Queria escrever críticas sociais na internet. Queria ser formador de opinião. Queria protestar sem tirar a bunda da cadeira. Sonhava em se alistar no Sea Shepherd para participar do Whale Wars.

Tentou ser politizado e quis ser religioso.

O interessante é que ao assumir uma posição em qualquer um desses assuntos, e ainda escrever, ficava desconfortável. Sentia que havia algo errado. Acho que é porque lidava com as coisas de maneira absoluta.

Nada deu certo e não se envergonhava de ter falhado, e sim de ter tentado. Mostrar-se entendido de qualquer assunto era o que ele mais abominava. Queria assumir para sua vida que o importante era saber e não que os outros soubessem que você sabe.

Ficava pensando nisso tudo até adormecer, e com toda essa avalanche na cama, só conseguia ler no ônibus.

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