quarta-feira, 27 de março de 2013

Azedo e seus idiotas

O sujeito andava irritado.

A questão Tostines era: estava azedo porque lia Bukowski? Ou lia Bukowski porque estava azedo?

Indignado com o mundo, via documentários chocantes para virar vegetariano, fez parte de sete abaixo-assinados do Avaaz, seguia o Twitter do Brasil Urgente e recebia fotos de cachorros maltratados no Facebook.

Era só o que chamava sua atenção naqueles dias.

Para a maioria das questões, sua resposta era uma só.

— Cara, você viu que Fulano trocou de emprego?

— Idiota...

A resposta podia ser usada em vários outros assuntos.

— O povo do RH mandou a lista de documentos que você precisa para se incluir no plano de saúde.

— Idiotas...

— Sua mãe ligou!

— Idiota...

— Seu irmãozinho fez este desenho. Está vendo? Você é o de capa. Voando e salvando as pessoas nesse prédio em chamas, depois de acertar o tiranossauro que soltava fogo. Acho que ele pensa que você é um super herói.

— É um idiota...

Para alguém irritadiço, tudo que é irritante fica turbinado.

Acordar às segundas era um inferno. Os olhos doíam com a claridade cinza do dia nublado na janela. Não queria acender a luz logo de manhã porque a conta de energia veio muito alta.

No meio da semana, reencontrou uns antigos colegas de trabalho na hora do almoço. Eram legais, mas constatou que só gostava deles na época em que trabalharam juntos. Deram um aperto de mãos e disseram frases clichês de paulistano:

— Cara! Que coincidência! Quanto tempo! Mundo pequeno, hein? Como vai Fulano? E Ciclano? Tem visto a Fulana? Ela continua gostosa? Casou? Nossa! Lembra quando a gente comeu aquele sanduíche do tuppleware sem etiqueta da geladeira? Vamos combinar um happy hour!

Small talk, uma lembrança engraçada e veio aquele silêncio constrangedor da falta de assunto. Não fazia mais questão de continuar a conversa. Despediu-se de todos e foi para a fila do buffet para montar e pesar seu prato.

No metrô, irritava-se com os apressados. Dava ombradas e estendia seu cotovelo em qualquer um que aumentasse a velocidade em ultrapassagens na boca da escada rolante.

Quanto ao trânsito, andava com seu carro a 15 km/h no momento em que ouvia uma buzinada na abertura do semáforo. Ainda fazia questão de dar pequenos trancos assim que colocava a primeira marcha.

Certa vez, parou seu Celta no meio da rua, ligou o pisca-alerta, abriu o vidro dianteiro e fez sinal de que o carro estava quebrado, apontando o polegar para baixo. Quando o enfurecido motorista do carro de trás o passava, nosso querido personagem azedo disparava o carro, cantando pneus.

Acho que estava torcendo para se meter numa briga.

Durante as aulas do MBA, ficava puto com o excesso de participação dos outros alunos.

— Esses idiotas querem mostrar que sabem tanto ou mais que o professor. Por que não param de interromper a porra da aula? — pensava e às vezes, resmungava em voz baixa.

O sujeito estava se sentindo meio mal. Cogitou fazer terapia para entender as razões existenciais de estar tão mal-humorado. Por que será que andava tão azedo?

Tinha um jantar marcado na terça-feira com uma colega do MBA. Ela tinha a mesma opinião sobre as constantes interrupções das aulas pelos idiotas que "sabiam tudo". Já tinham um assunto em comum.

O azedume do sujeito resultava em comentários sarcásticos e piadas ácidas. Seu mau-humor o tornava engraçado. Como resultado, conseguiu arrancar várias gargalhadas dela.

O encontro terminou bem.

No dia seguinte, ele acordou e sorriu para o sol. Tudo o que precisava era de uma boa trepada.

quinta-feira, 21 de março de 2013

Bean situation



Acho curioso como algumas situações cotidianas, tão comuns e simples, podem causar tanto desespero.

Às vezes, elas ficam na cabeça por anos e sua gravidade é amplificada pelo cérebro.

Esses dias, precisei me policiar para não ficar pensando nelas.

A vez em que eu caí de costas e levantei com as canelas cortadas.

Quando estava agitado na aula e disse, em voz alta, uma piada horrível, mas que parecia hilariante dentro da minha cabeça. Bem no momento em que todos da sala ficaram em silêncio.

Uma vez que tirei sarro de um menino da sala só para ouvir um contra-ataque inesperado que me deixou sem graça.

Outra, no meu estágio de Psicologia Escolar, em que tropecei no meio de uma sala de aula cheia de adolescentes.

 
Scumbag brain nos torturando novamente. E no módulo auto-bullying.
 
Fico pensando no momento em que isso aterroriza tanto, que acaba nos impedindo de seguir em frente.
 
Qual o tamanho da vergonha de voltar da hora do almoço, após sujar a camisa com alguns respingos de molho?
 

Há quem diga que a vergonha é proporcional a intensidade em que reparamos no que os outros estão fazendo. Aquele medo e generalização de que todos percebem as coisas exatamente como você.

A principal lição da tecla Foda-se nesse tipo de situação é: o mundo está cagando para você.

terça-feira, 19 de março de 2013

Quase tentei


Existe um exercício bem interessante na terapia comportamental: fazer o cliente trocar o verbo "conseguir" pelo verbo "querer". Em qualquer uma de suas frases.

Dá até um nó na cabeça.

Viajando pela mesma linha esses dias, lembrei da conversa que tive com uma amiga.

Fazia algum tempo que nosso grupo em comum não se encontrava e tinha surgido a oportunidade em uma festa.

Sobre sua presença no evento, ela me disse:

— Vou tentar!

Imediatamente, me lembrei das palavras do Mestre Yoda e respondi:

— Não existe tentar! Ou você vai ou você não vai!

O que seria "tentar ir a algum lugar"?

Ontem, o sujeito tentou levantar da cama cedo, mas estava cansado demais e apertou o soneca do despertador diversas vezes. Perdeu a hora de chegar ao trabalho.

Depois, tentou pegar o ônibus, mas estava cheio e não conseguiu entrar.

Atrasado, tentou falar com o chefe, mas só dava caixa postal.

Em resumo: ele não levantou da cama cedo, não pegou o ônibus e não falou com o chefe.

Não questiono aqui as possibilidades e probabilidades da realização de cada uma das atividades acima. Até mesmo porque, a telefonia móvel não está facilitando, os ônibus andam bem lotados e a preguiça pode ser uma tirana.

O ponto é: por que é tão difícil assumir que simplesmente não fiz algo? Por que saber que a existência de uma "tentativa" é algo reconfortante para o que a gente não quer fazer ou não fez?

Vou aplicar exercício no dia a dia.

— Wilson, você estudou o tema?

— Eu ten... Não. Eu não estudei.

— Wilson, você está escrevendo com regularidade nos seus blogs?

— Eu estou tent... Não. Não escrevo com regularidade.

— Wilson, você está correndo três vezes por semana?

— Eu tent... Não. Não estou correndo.

Enfim. Já deu para entender.

segunda-feira, 18 de março de 2013

Um dia qualquer

Respira fundo!

Acho que essa é a instrução de todo mundo que chega à plataforma do metrô e percebe que ela está lotada. Abarrotada de gente. É um auto-comando apaziguador de desespero.

O suspiro é ainda mais longo quando é segunda-feira, e você já está atrasado para o trabalho.

Mau humor, frio, pressa, garoa, sono, fome e mau hálito típico do estômago vazio. Tantas delícias que se alternam entre as segundas, mas que às vezes, resolvem se unir para castigar as pessoas em um combo único e devastador. Todas no mesmo dia. Todas ainda na parte da manhã.

E foi assim no dia 18 de março de 2013.

O cara desceu as escadas rolantes pela esquerda, correndo. Viu de lá de cima que o trem estava parando. Entre uma cotovelada e outra, resmungou com a suposta falta de educação dos que estavam na escada e que não saíam da frente. Por fim, chegou à plataforma.

Havia uma fila desordenada, mas o trem ainda estava abrindo as portas.

Como uma peça de Tetris, ele conseguiu se encaixar no espaço disponível do vagão.

Infelizmente, metade de sua bunda não entrou no trem. Quando ouviu a campainha, o sujeito se contraiu inteiro, mas isso não impediu que suas nádegas atrapalhassem o fechamento das portas.

O beliscão doeu e as portas se abriram novamente.

Eis que surgiu a voz nas caixas de som:

Não segurem as portas do trem! Essa prática atrasa a viagem de todos.

Por um curto intervalo, o vagão continuou aberto, e enquanto soava o aviso sonoro, outro magrelo conseguiu forçar sua entrada no trem. Só que ele não era magro o suficiente e as portas fecharam em sua mochila.

Com mais um impedimento, tudo voltou à estaca zero. Lá veio a voz de novo:

 Senhores usuários, não segurem as portas. Essa prática atrasa o funcionamento de TODOS os trens. Respeite!

Burburinho. Falas, reclamações e bufadas indistintas. Os passageiros se arranjavam como podiam. Uma senhora, que não tinha como chegar ao assento azul de idosos, se equilibrava com a pressão dos empurrões, mas quando levantou seu pé, não conseguia mais abaixá-lo. Ficou de saci.

Aviso sonoro. As portas começaram a se fechar. As pessoas olharam apreensivas para ver se finalmente poderiam partir.

Que nada!

– NÃO SEGUREM AS PORTAS! gritou o maquinista, já perdendo as estribeiras.

Mais uma tentativa. Alguns passageiros já estavam com os rostos colados, como no mais romântico dos bailinhos da década de 90. Os baixinhos se encaixavam anatomicamente nos sovacos dos mais altos. Havia desconforto até mesmo para quem estava sentado: para onde quer que olhassem, veriam um mix de bundas e virilhas na altura dos olhos.

Não deu. O trem continuou parado e o maquinista se irritou de vez. Gritou nos alto-falantes:

– É isso, bando de filho da puta! Eu só tenho que conduzir esta merda até o Tucuruvi e não tenho horário para chegar lá. Ficando aqui ou partindo, meu trabalho é esse. Fodam-se os outros trens. Nós só vamos sair quando chutarem o corno que está impedindo o fechamento das portas. Já tá todo mundo atrasado mesmo, ninguém aqui tem o tempo mais importante que o dos outros e a pressa é inimiga da educação, não é mesmo? E aí? O que querem fazer? Estou desligando o trem!

E o fez. Silêncio, luzes apagadas e ar-condicionado desligado. As pessoas se olharam. Lembraram imediatamente do primeiro cara que ficou com o rabo preso e do outro magrelo com a mochila.

Foi então que começou a revolução. Seis passageiros, quatro homens e duas mulheres, empurraram os dois caras do vagão e saíram para a plataforma. Tinham enlouquecido. Entitularam-se os Power Rangers da Linha 1.

Fizeram um trabalho de pente fino pela estação. Encontraram celulares que tocavam funk sem fones de ouvido, jogaram no chão e pisaram.

O grupo fez pose de combate e se dividiu. Cada um entrou em um vagão. Encoxadores, dorminhocos jovens no assento preferencial e mais funkeiros foram retirados do trem e colocados na plataforma.

As pessoas que chegavam naquele momento ficavam intimidadas de ver a cena, e educadamente, se posicionavam no fim da fila de entrada para o trem.

Vitória. Desde aquele dia, o maquinista ficou conhecido como Zórdon.

quarta-feira, 13 de março de 2013

Hein?

Quando vejo este filme...


... eu quase choro igual ao Debi e o Loide  no comercial da Pacific Bell.


Eu sei. Ridículo, né?

Primeiro, vem aquela questão: "deixar um mundo melhor para os filhos, ou filhos melhores para o mundo?".


Bom. Acho que estamos cagando nos dois aspectos.


Se parar para pensar. Todas as coisas estão meio esquisitas.

Essa última semana, perguntei para uma amiga se era a "semana mundial das notícias bizarras".

Só olhando por cima: homofóbicos, racistas e condenados assumindo cargos importantes.

Vi várias histórias sobre censura e sobre como a ditadura está voltando.

Salários diminuem. Pessoas morrem ou adoecem. Alguns são ídolos.

Outros são atropelados, têm o braço arrancado e jogado no córrego. A retrospectiva da Globo vai ser movimentada no fim do ano.

Acho que eu andava sem trabalho nas últimas semanas. Parecia que eu estava numa lan house. Por isso, acabei acompanhando tudo que era compartilhado. Senti um pouco de falta das boas notícias.

Ao ver tudo isso, na cabeça fica a música do Marvin Gaye:


What the fuck, world?