quarta-feira, 26 de julho de 2023

2537 - Shitstorming


– Wilson, podemos conversar?

– Claro!

– Vou te mandar o link.

Abre o Google Meet.

– E aí? Tudo bem? Como estão as coisas?

– Tudo certinho!

– Então Wilson, queria só tirar umas dúvidas sobre as suas horas.

– Minhas horas?

– É. Eu vi aqui que você tem horas alocadas no banheiro da agência, mas hoje é dia do seu Home Office.

– Deixa eu ver. Ah sim! Eu estava cagando.

– Ah! Então vou pedir pra você alterar. Tem uma tarefa no gerenciador de horas que é “2534 – Evacuação Banheiro de Casa 2º Andar”. Sua casa é um sobrado?

– Sim! Mas eu caguei no lavabo.

– Ah! Então vamos alocar as horas no “2533 - Evacuação Banheiro do Térreo”.

– Foi uma dor de barriga de movimentação peristáltica normal ou você tomou café?

– Acabei de passar um café!

– De cápsula ou coador?

– Coador. Cápsula gera muito lixo no meio ambiente.

– Ah. Então você lança as horas do café em “2645 - no coador é mais gostoso”.

– Ok! Deixa eu anotar…

– Por um acaso você não teve ideias no banheiro, não?

– Hmm… Eu pensei um pouco no job sim.

– Aaaah! Então apaga tudo que falei. Aloca suas horas no “2537 - Shitstorming”.

quinta-feira, 23 de maio de 2019

A/C Aisha

Talita Aisha Oura. 大浦タリータ愛写

Nem sei se, quando você tiver idade para ler e compreender este texto, o Blogspot ainda vai existir. De qualquer maneira, escrevo apenas para expressar o que estou vivendo agora.

Quando eu e a sua mãe fizemos o vídeo de 上を向いて歩こう, só sabíamos que o nosso bebê tinha 70% de chances de ser menina.



Quando o ultrassom deu certeza do sexo, seu nome japonês surgiu primeiro: 愛写(あいしゃ - Aisha).
Tiramos ele da música 愛車リマインド da banda japonesa Jill-Decoy Association. Trocamos os kanjis para dar outro significado e mantivemos a pronúncia. Até porque Aisha é o nome da filha do Stevie Wonder que ele canta em Isn't she lovely.

“Talita” veio depois. Um pouco por causa da Tatá Werneck, um pouco também porque gostamos do nome.

Um querido primo nosso disse uma vez que “nós só aprendemos a ser filhos, quando viramos pais.”.

Faz muito sentido. Passamos a entender que, com os erros e acertos, nossos pais deram o melhor para nos criar.

Você é nossa primeira filha. Então, estamos com alguns medos. Normal, né? Ainda mais que todos dizem "a culpa é sempre dos pais". O que ajuda é focar no presente e curtir cada momento do seu desenvolvimento.

Eu e sua mãe, logo no começo do namoro, combinamos que não poderíamos tomar decisões por medo e que “viver com medo é viver pela metade”. Não sabemos de quem é essa frase.

Por um bom período do nosso casamento, não queríamos ter filhos. Só que um dia, percebemos que não ter filhos era uma resolução criada pelo medo.

Medo de que nossas viagens não fossem mais como antes.

Medo de não poder mais sair, tocar, curtir a noite.

Medo de não poder mais tomar umas cervejas e jogar videogame junto de nossos amigos.

Medo de perder a vida que tínhamos.

Aos poucos, alguns de nossos amigos tornaram-se pais. Eu e sua mãe fazíamos parte de três casais da turma que sobraram com a dúvida da paternidade.

Podemos dizer que quatro fatores foram cruciais para chamarmos você a este mundo.


1 - Este diálogo com um dos casais que ainda não eram pais.

— Se parar e pensar, a decisão mais racional é não ter filhos. — disse ela.

— Na verdade, não. Se você for racional, você tem filhos. — respondeu ele.
Repetindo o que falei acima, concluímos que não ter filhos seria uma decisão tomada pelo medo e não pela razão.

Ah! Eles ficaram grávidos antes da gente! Seu amigo Lucas nasceu meses antes de você.


2 - Encontro Feminino da Mahikari.

Eu não fui a esse evento. Sua mãe pode explicar melhor a inspiração que rolou por lá.


3 - Sua prima Amélie.

Eu e sua mãe nunca vimos a paternidade como algo mágico, meloso, romântico.

Nunca nos imaginamos correndo na praia em câmera lenta com você, sorrindo e saltitando nas nuvens com um braço sujo de merda que vazou da sua fralda dizendo: “Ser pai (mãe) é o sonho da minha vida!”. Tudo isso com corações vermelhos brotando da pele e flutuando ao redor das nossas cabeças.

Quando sua prima nasceu, 3 anos antes de você, vimos que a criança vem para integrar um grupo.

O grupo se adapta ao bebê e o bebê se adapta ao grupo. É até bom para aprender que o mundo não gira ao redor do nosso umbigo.

Para nós, isso que corresponde a uma família. Ou, como somos fãs de cachorros, a uma matilha.


4 – O-Shogatsu

A família da sua mãe sempre foi grande. Leva um tempo para decorar todos os nomes, mas os encontros de Ano-Novo com todo mundo junto são sempre muito bons.

Sua avó materna é a caçula de 10 irmãos. A mamãe tem 40 primos de primeiro grau.

Sempre comentamos o quanto esses encontros são divertidos. Qualquer festa de aniversário vira um evento grande.

Só que, geração após geração, a quantidade de filhos diminui em cada núcleo familiar.

Hoje fala-se até que o conceito de primo será raro ou vai deixar de existir, porque a maioria dos casais tem apenas um filho.

— Ter família grande é gostoso, né?

— É!

— E aí, vocês vão ter filhos?

— Não!

Algo não bate nessa conta.

Pouco a pouco, nossa rotina mudou e não foi por sua causa. Paramos de tocar à noite, passamos a gravar nossas músicas em casa e espontaneamente tudo se preparou para a sua chegada.

Até o momento deste texto, trabalho em home-office. Tomara que isso seja realmente o futuro das relações de trabalho.

Toda essa introdução só para dizer o que me motivou a escrever esta “carta”. Talvez, um complemento ao nosso vídeo de 上を向いて歩こう.

Sabe a frase "Amarás o teu próximo como a ti mesmo"? Estava pensando: ela não é imperativa, e sim um bom indicativo das relações humanas.

O que quero dizer é: se não somos capazes de ter amor próprio, não conseguiremos amar qualquer outra pessoa.

Novamente o Caminho do Meio: é possível ser generosa sem esquecer o próprio bem-estar. Pensar em si mesma sem ser egoísta.

Até as companhias aéreas sabem disso: “Em caso de descompressão, coloque a máscara primeiro em você, depois na pessoa ao seu lado!”.

Autoestima não é só cuidar da beleza.

Se tudo der certo, conquistarei a faixa preta em Aikido quando você tiver uns 4 meses de idade. Mas não quero ser aquele pai clichê que vai fazer cara de mau para receber seu namorado. Estarei sempre pronto para te proteger, é claro, mas na minha cabeça, você também pode se tornar faixa preta de alguma arte marcial e ser bem capaz de se defender sozinha. Ainda mais se tiver a força da sua mãe (depois eu conto a história de quando ela quebrou o meu nariz com uma cabeçada no meio de um abraço).

Mas é isso. Quero muito que você seja feliz. Preocupação é realmente “ocupar-se antes da hora”.

Vai-se o desabafo, volto a curtir o momento. Vou colocar uma música porque sei que você sempre chuta e se mexe quando eu e sua mãe cantamos.

Espero que sempre confie na gente.

Beijo.

Papai.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

Two and a half social conventions

Lá se foram alguns anos de casado e tem uma coisa que eu ainda não entendo: algumas piadas e reclamações sobre a vida pós matrimônio.

Felizmente, encontrei amigos casados que também pensam como eu. Assim, não me sinto tão alien.

A conclusão mais plausível que cheguei foi a de que reclamar da vida de casado faz parte de uma convenção social. Algo para você parecer "normal" no seu círculo de amigos que se lamuriam dos mesmos motivos comuns tirados de uma rasa conversa de novela ou programa humorístico global.

"A diferença entre casamento e prisão é que na prisão se pode jogar futebol aos domingos."

"Faltando dois dias para o casamento, o noivo muito católico vai procurar o padre: 
 Padre, eu vim aqui propor um negócio. Eu lhe trouxe mil reais, mas em troca eu quero que o senhor corte algumas coisinhas daquele discurso de casamento: 'Amar, honrar, ser fiel...'. É só não falar essa parte! 
O padre aceita o dinheiro, não fala nada e o noivo fica todo satisfeito. 
Quando chega o dia do casamento, o padre olha bem para o noivo e diz: 
 Promete viver apenas para ela, obedecer a cada uma de suas ordens, levar café na cama todos os dias e jurar perante Deus que nunca terá olhos para nenhuma outra mulher? 
O noivo, completamente sem graça e sem saída, acaba concordando. Mais tarde, durante a festa, chama o padre num canto: 
 Poxa, eu pensei que a gente tinha feito um acordo! 
O padre lhe devolve os mil reais: 
 Sinto muito, meu filho. Mas ela triplicou a sua oferta!"

Acima, duas piadas que encontrei em uma pesquisa no Google, mas existe muita gente que realmente pensa como esses personagens. Aí vem a pergunta: se essas pessoas sentem tanta falta da vida de solteiro, por que continuam casadas?

Acho que não sinto falta da minha vida de solteiro porque continuo fazendo as mesmas coisas. Jogo videogame, tomo cervejas, assisto séries e futebol americano. Tudo em dupla.

Não sinto falta do "começo do namoro, quando há borboletas no estômago e o fogo da paixão blablablablabla..."



Parando para pensar, eu prefiro estar onde estou agora. No começo do namoro eu queria impressionar: matar as baratas, bancar o "alfa", vencer discussões...

Ficava tenso para que a pessoa não se decepcionasse comigo. Hoje, eu quero apenas cultivar e oferecer o meu melhor lado no relacionamento. Ao meu ver é completamente diferente. Quero ser sempre uma pessoa melhor do que eu era antes, aprender com minha parceira e ser feliz. Ser verdadeiro.

Um amigo me disse: "você gosta da sua vida de casado porque ainda não tem filhos. Antes, minha mulher perguntava 'o que você quer comer? Hoje, ela não pergunta nada!'.

Ué! Eu não casei com um mordomo.
Resultado de imagem para alfred butler
"Eu vos declaro marido e Alfred!".

Toda essa introdução falando da minha luta contra convenções sociais só para dizer que esta cruzada vai ter um novo desafio.

Os mesmos que sempre reclamam de seus casamento são os mesmos que reclamam da paternidade.

A nova fase vem cheia de novos clichês:

"Uma piscina gelada em que todos os seus amigos estão lá dentro te chamando:  Vem, pode pular que a água ta quentinha!"

Se ainda não ficou claro: sim, vou ser pai. Minha matilha vai aumentar.

Acho que só comecei a escrever este texto para me policiar e talvez assumir um compromisso mental comigo, minha família e o novo integrante.

Longe de mim subestimar os desafios e dificuldades desta nova fase, mas desejo que eu nunca utilize a desculpa "não posso porque agora sou pai" em qualquer situação.

Almejei tanto por disciplina e parece que agora vou realmente precisar dela. Para não me atrasar nos compromissos, viagens, encontros e claro, meus treinos.

Quero dar o meu máximo para que meu filho ou filha não se sinta um peso na minha vida.

Detesto a ideia de que um dia ele possa se sentir como no quadrinho abaixo:


- Meus sonhos foram despedaçados anos atrás.

- Há quantos anos?

- Quantos anos você tem?

- ...

Bom, é isso. Quero curtir cada etapa. Sabe aquela história que a viagem é mais inportante que o destino? Então...

terça-feira, 11 de setembro de 2018

Ikigai


Sei que é meio clichê, mas vou fazer uma segmentação bem idiota agora.

Entrei numa jornada de autoconhecimento. Talvez por causa do meio dos 30 anos. Vai saber... Mas falando da minha vida profissional, estou como um adolescente punheteiro: em descoberta.

Talvez por isso, meus dois últimos posts aqui tiveram esse teor "querido diário". Escrever sempre ajudou a sintetizar minhas ideias.

Entre textos de despedida das agências de publicidade e duas reativações do meu CRP para voltar a atender na Psicologia clínica, uma coisa sempre esteve presente no meu cotidiano: Música.

Um antigo colega de trabalho, hoje YouTuber e digital influencer disse que eu deveria trabalhar com música.

Falou muitos anos atrás. Só hoje que isso passou a fazer sentido. Cheguei a montar um blog de bandas com um amigo, mas a chama da empolgação se apagou pouco a pouco, e hoje ele está abandonado.

A inveja sempre foi pintada como algo ruim, mas ela também pode ser vista como algo motivador. Enquanto percorria meus caminhos malucos, alguns amigos sempre souberam o que queriam. Hoje, vivem, batalham e seguem em seus trabalhos como músicos profissionais. Também me inspiram e ensinam muito.

Obrigado por isso!

Eu estava cansado.

Cansado de tocar em bares vazios, carregar equipamento, montar o som, de me estressar com o trânsito e o horário marcado, voltar de madrugada para casa. Mais ainda de ganhar pouco e ficar o tempo todo pesando "vale a pena isso tudo por aplausos?".

Observando grandes bandas da noite paulistana, pensava também: "será que estou disposto a passar por tudo o que eles passaram para chegar onde eles estão?".

Em respeito a todos eles, sempre dei o meu máximo para ser o melhor profissional a cada apresentação.

Não me entendam mal. Estar num palco é uma das melhores sensações que existem. O contato com o público, tocar o estilo de música que você mais gosta de ouvir e estudar... É uma energia diferente. Uma sensação de "I fucking love my job" que poucos no mundo têm o privilégio de sentir.

"I fucking love my job!"

Talvez por isso, as pessoas não-musicistas têm em suas cabeças o estigma: "você é músico mas trabalha com o que?". Sinceramente, não sei dizer qual outra profissão oferece este prazer indescritível no ato e momento de estar trabalhando.

Aquelas 2 horas de show, no palco em contato com a plateia, a sensação é maravilhosa. Cura dor de cabeça, mau humor, tristeza. Tudo!

Mas calma lá. Esse prazer todo não é pagamento. Músicos têm contas para pagar. Muitas. Não têm plano de saúde entre outros benefícios que um funcionário tem, só para citar um exemplo.

Colocando tudo no liquidificador, veio a pergunta: como continuar tocando sem passar por todos esses perrengues e desventuras que me incomodavam tanto?

A resposta veio da nostalgia. A primeira banda que tive com minha esposa era um trio. Em um reencontro com o pianista, percebemos que estávamos todos no mesmo barco. Saudades de fazer música, mas de saco cheio dos bares.

Passamos a gravar em home studio, editar clipes e criamos nosso canal: Careless Home Studio.

Faz pouco mais de um ano e continuamos empolgados. Entre versões, covers e composições próprias, já temos uma frequência de publicações e o projeto continua. Aproveitando, inscrevam-se lá e curtam nossos vídeos.



Aqui que entra o "IKIGAI". Acho que até esperei a gravação do vídeo acima para falar sobre o assunto. Música se enquadra nas quatro categorias da imagem no começo deste post.

What you love: sim, sou apaixonado por música, guitarras, baixos, baterias, teclas, blues, rock, grooves e afins.

What the world needs: acredito do fundo das minhas tripas que o mundo está precisando de música. Mensagens fortíssimas podem ser passadas através de sons e canções. Tem muita gente legal mostrando seus trabalhos. Temos que parar de reclamar que esse ou aquele artista comercial é ruim, tal estilo é um lixo e etc. Em vez de reclamar que "Fulano é uma bosta", que tal prestigiar uma caralhada de artistas legais que estão tocando por aí?

What you can be paid for: bom... Essa é parte difícil. Mas estou correndo atrás de conseguir pagar minhas contas fazendo o que amo.

What you are good at: mesmo medíocre, continuo estudando guitarra sempre com aquele pensamento de que é menos do que deveria. Felizmente, tenho a impressão de que as pessoas gostam do que ofereço musicalmente.

Não vou mentir. Além de vomitar o que passava na minha cabeça, também quis promover o nosso canal. Espero que gostem!

sábado, 25 de agosto de 2018

Significados


Ninguém na família gostava de tatuagens. Sei lá por que eu fui fazer a minha primeira.

Lembro-me que um grande amigo tinha feito a dele. Não sei se foi isso que me empolgou.

Só sei que fiquei um dia inteiro, alternando entre minhas tarefas na agência e conversas com uma amiga, que mais tarde virou minha esposa, em uma divertida pesquisa de kanjis e seus significados.

Depois de muito estudar, chegamos aos kanjis escolhidos. Imaginava que minhas tatuagens precisavam de significado. Nada contra quem se tatua por outros motivos, mas o significado é a minha única motivação.

Por fim, a primeira foi 子 (ainoko), que tatuei em meu antebraço esquerdo. Simples. O significado literal é "filho do amor". A explicação que encontramos foi a de que os mestiços eram filhos de casais que não tiveram o casamento arranjado no Japão (Miai). A palavra era por si só pejorativa e foi substituída atualmente por ハーフ (Hafu), um derivado de "half".

Tinha achado bem legal a ideia até mesmo por ser um termo pejorativo, fora que "filho do amor" é muito mais interessante que "half breed".

Tatuei e a vida seguiu em frente!

Anos mais tarde, veio outra ideia. Tatuar um pakuá chinês e um cachorro tribal. Uma amiga do trabalho disse que tribais eram batidos e sugeriu que eu fizesse um cachorro de cordel, em xilogravura. Pesquisei referências na net e um amigo ilustrador fez o desenho. Daí, fui direto para o estúdio de tatuagem.

O significado? Cão é meu signo no horóscopo chinês. Fora que são criaturas adoráveis que me ensinam muita coisa. A mistura entre o cordel e o pakuá chinês também trariam essa minha genética "viralática" para a tatuagem.

O desenho ficou no centro das minhas costas, entre as escápulas e pouco abaixo do pescoço.

Sosseguei por uns bons 5 anos. Apesar disso, tinha em mente que gostaria de fazer mais uma. Foram negociações tranquilas, mas a esposa dizia não querer namorar um "gibi". Ou um membro da Yakuza. Estabeleci para mim mesmo que na próxima oportunidade, seria minha última tatuagem.

A ocasião surgiu no começo de 2018. Um amigo que é um excelente ilustrador começou a estudar  tatuagens e precisava de "cobaias". Aceitei o convite pela qualidade do trabalho dele e também por conhecer seu altíssimo nível de disciplina e dedicação. Tinha confiança de que, mesmo sendo um iniciante no ramo, a tatuagem seria muito bem feita.

Esta última é a que tem mais significados agregados em sua criação.

São dois leões de Okinawa, ou Shisa, ou ainda Fu-Dog e Komainu. Foram várias as maneiras de pesquisar no Google e encontrar referências para o desenho.

As estátuas são comumente vistas na entrada de templos no Japão. São guardiões protetores. Uma das lendas ou histórias deles é possível ler aqui.

A ideia seria fazer uma estátua no braço esquerdo com o kanji 夢 (yume) e no direito, outra com o kanji  (ima).

Resumidamente, o lado esquerdo corresponde ao nosso lado espiritual. Então, a estátua desse braço teria o kanji 夢 que significa "sonho". Isso porque eu gosto muito da história do Monge Takuan Soho, que instantes antes de morrer, pediu um papel com pincel e escreveu o ideograma.

Mesmo um conceituado monge budista como ele precisava do lembrete de que a nossa vida aqui é só um sonho. Assim, ele não se desesperaria com a proximidade da morte, um marcante momento em que nós "acordamos" desse sonho.

No braço direito, que representa o lado racional, estaria a outra estátua e o kanji 今  que significa "agora". Um lembrete para a minha racionalidade de que o passado não existe mais, é apenas uma lição e nunca pode ser uma tortura.

Uma marca para me fazer focar no presente, trazer discernimento para o que é necessário no aqui e agora, além de ser um símbolo para me ajudar com a ansiedade pelo futuro.

O tatuador é meu senpai no Aikido e trouxe, empolgado, ainda mais significados para a tatuagem.

Conversávamos muito sobre marcialidade.

O Aikido é conhecido como a arte da paz, harmonia e cooperação. Mas isso não quer dizer que não é uma arte marcial. Deve-se ter sempre em mente que seus movimentos podem causar muitos danos. Quem sou eu para me aprofundar e escrever sobre o assunto aqui, mas o ponto é que sou visto como muito "bonzinho" para fazer uma arte marcial. Tenho aflição de movimentos que podem quebrar dedos, cotovelos ou outras articulações.

Em paralelo a isso tudo, conversamos que as estátuas dos guardiões representam bem essa marcialidade: elas não são agressivas ou ferozes. Elas só ficam ali e aguardam. Apenas se for necessário vão utilizar suas forças para defender o templo.

Cheguei a pensar que as tatuagens são minhas armaduras, mas acho que significam mais: são meus amuletos.

domingo, 30 de julho de 2017

Por que a gratidão mijou na cozinha?


Quando o Barry morreu, o Marvin se sentiu muito sozinho. Não teve jeito: adotamos a Susan em uma feirinha realizada pela ONG APPA. Sim, estou falando de cães.

Barry era um cachorro muito inteligente. Personalidade praticamente humana. Ele foi uma pessoa peluda de 4 patas.

Marvin é um cão muito alegre. Bom humor em 100% do dia. Corre, brinca, pula e fica com o rabo abanando o tempo todo.

Já a Susan é um pouco mais calma, porém tem uma característica que nos chama muito a atenção.

Quando ela termina de comer, ou no momento em que a libero da guia do passeio, ela para ao meu lado, senta e fica olhando. A sensação que dá é a de que ela está agradecendo: seja por ter sido adotada, pela refeição e até mesmo pela caminhada.

Sendo assim, Marvin representa a alegria e a Susan passou a ser associada à gratidão.

No geral, ambos são muito obedientes.

O problema é que de vez em quando, a Susan faz xixi na cozinha.

Nunca soube a causa, motivo, razão ou circunstância para ela fazer isso.

Primeiro deduzimos que era por causa do frio: ela percebe o quintal mais gelado do que dentro da casa e desencana de ir até lá. A teoria caiu por terra quando o problema se repetiu no verão.

Depois, achamos que era porque o quintal estava sujo, com cocô do Marvin. Teoria descartada: um dia, a cozinha estava mijada mesmo com tudo limpinho lá fora.

Nunca descobrimos o que realmente acontece, até que de repente me deu um estalo: por que a gratidão mijou na cozinha?

Quando penso nessa pergunta, vem um monte de coisas na cabeça: todas as vezes que reclamei do trânsito, trabalho, vizinhos, conexão da internet, fome, preguiça, sono, frio e etc.

As filosofias orientais em geral valorizam muito o sentimento de gratidão, e uma reclamação é um sinal de que não estamos satisfeitos.

Porém, é uma questão de ponto de vista. Se estou preso no trânsito, é um sinal que tive condições de comprar um carro. Condições que vieram do meu trabalho, que também me ajuda a pagar as outras contas, financiar minhas viagens e cervejas.

Se o vizinho é chato e há conexão de internet, significa que tive condições de viver em uma casa. Por mais clichê que soe, é um privilégio que não existe para muita gente no mundo.

Já fiquei puto porque meu almoço atrasou umas horas. Depois de comer, parei para pensar: isso não é nada. Um monte de gente ainda morre de fome. Ficar de mau humor por conta disso é um puro melindre. Frescura mesmo. Tem uma padaria a cada esquina em São Paulo onde posso comprar um bolovo que seja.

Mas sem sofrência.

É uma perda de tempo sofrer pelo que não se pode mudar. Com pé no chão é melhor pensar: "está engarrafado? Ouça a música!", "Internet está lenta? Leia um livro!" e por aí vai.

Não há como comprovar a relação. Não reparei com atenção se quando estou com os pensamentos mais gratos, a Susan deixa de mijar na cozinha.

O importante é o resultado. Essa reflexão faz com que eu me policie para ter pensamentos mais produtivos e positivos. Porque entendo que a reclamação só atrapalha e deixa ansioso.

Obrigado ou ありがとうございます!

segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Move on


É muito difícil desapegar do passado.

Não sei se é defeito ou qualidade, mas às vezes, as boas lembranças vêm à cabeça e fazem até você se esquecer das ruins.

Aí, você se pergunta: por que não vivo mais isso? Por que não tenho mais isso na minha vida?

Se fosse fácil pensar com a razão o tempo todo, não existiria meditação. Se todos tivessem o pensamento claro, não existiria budismo.

Quando se respira fundo, dá para concluir: há motivos para não estarmos juntos novamente. Há motivos para que tudo tenha terminado.

Aí vem a fase de imaginar. E se pudesse reviver tudo aquilo nem que seja só por alguns instantes. Sem compromisso. Apenas para ter o gostinho.

Pura ilusão. Ninguém quer reviver bons momentos só por pouco tempo. O desejo é que tudo aquilo esteja presente na vida. É tolice negar. Quer ser feliz exatamente como na época, só que, exatamente como na época, tudo acaba e exatamente do mesmo jeito. Exatamente com o mesmo sofrimento.

Enquanto a nostalgia vai e volta, com diferentes intensidades, surge algo novo. A esperança se renova. Novos momentos felizes surgem. Marcam. Criam novas impressões e sensações inéditas na vida.

A felicidade inicia sua estadia. Não se sabe por quanto tempo.

Encontrar um bolo de cenoura trufado e bem recheado realmente me fez superar o vazio deixado por aquelas trufas de Nutella.