quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Nárnia?

Rodrigo era motion designer em uma agência de publicidade online. Um cara descolado. Tinha em seu guarda-roupas 15 camisas xadrez de diversas cores. Era seu plano de emergência para ficar sem usar a máquina de lavar por uma quinzena e ainda assim, não repetir roupas no trabalho.


As calças jeans ele repetia. Mais de 3 vezes por semana. Não havia problemas. "Elas não sujam mesmo!" — dizia.

Passou a infância inteira em Araguari. Acabou herdando o delicioso sotaque da região.

Seu caminho na carreira de motion começou de maneira informal. Criava gifs engraçados. Utilizava o Photoshop para tentar fazer charges animadas e contar algumas histórias.

O pulo do gato veio quando, autodidata, aprendeu a usar o Flash, aos 16 anos.

Conto essa história porque, aos 17, por um acaso estranho do destino, conseguiu estágio em uma agência de publicidade aqui em São Paulo. A mesma em que trabalha até hoje, com 25.

Esses 8 anos no ramo, mesmo após algumas promoções simples, mas com praticamente o mesmo cargo e atividades, tornaram-se bem chatos.

Ok! O ambiente, clima e as pessoas são bem diferentes de empresas comuns, que Rodrigo chamava de "coxinhas".

No mundo das agências, tudo é muito divertido e espontâneo. Piadas, comentários do último vídeo da Porta dos Fundos ou sobre algum site inovador que pega seus dados no Facebook e faz montagens com as fotos dos seus amigos em animais dançantes, ao som de alguma sátira de "dumb ways to die".

Tem sempre alguma coisa nova rolando nos papos. O problema era a disputa diária para ver quem sabia mais das inovações que surgiam.

— Você viu o aplicativo novo da Diesel? NÃO VIU? Não acredito! Vou te mandar o link para baixar! É muito louco, cara! Muito louco!

Rodrigo percebeu que uma das coisas mais prazerosas de sua vida era responder "Ah! Eu já tinha visto!" a esse tipo de pergunta. Foi aí que começou a pensar mais sobre o futuro que queria para sua carreira.

Um dia, recebeu em seu e-mail mais uma série de ofertas do Peixe Urbano. Antes, deletava essas mensagens sem ao menos ler, mas dessa vez, resolveu dar uma olhada.

— Um curso intensivo de sapateado por 250 reais! Uma semana, todos os dias e em período integral, das 8h30 às 18h30.

Comprou na hora. Rodrigo era fã de Gene Kelly. Toda vez que garoava em São Paulo, "Singin' in the rain" tocava em sua cabeça automaticamente.

Decidira fazer o curso. Mas o que ele iria falar para seus chefes? Durante o fim de semana, depois de algum tempo refletindo, optaria pelo mais irônico.

E na segunda de manhã, telefonou para o tráfego da agência:

— Alô? Oi! Tudo bem? Olha só, eu torci o tornozelo ontem... Vou ter que ficar em casa de molho essa semana.

Para ter um bom álibi, publicou no Facebook a foto de algum pé com gesso. Só teve o trabalho de procurar nas imagens no Google e colocar a legenda: "De molho em casa :(".

Deu tudo certo no curso. Aprendeu os fundamentos, comprou os sapatos, conheceu a história da arte e treinou exaustivamente em casa. Descobriu que tinha talento. Fantasiou a semana inteira sobre como seria sua vida se conseguisse dedicar mais tempo à atividade.

Tantos sonhos fizeram o tempo passar rápido. Logo chegou a sexta-feira e na segunda seguinte, voltaria para a agência e sua vida normal.

Foi o que aconteceu. Os sonhos foram praticamente esquecidos enquanto usava sua brilhante criatividade artística para replicar os banners que surgiam em sua pauta de trabalho. Alguns atrasados da semana anterior.

Com tantos trabalhos para por em dia, essa semana também passou rápido.

Toda a equipe de criação resolveu fazer um happy hour para aproveitar a noite, que estava quente e agradável.

Fecharam uma garrafa de cachaça. Mesmo beliscando diversas porções de provolone e parmesão, depois de algumas doses, Rodrigo não conseguiu se segurar.

O álcool tinha diluído sua vergonha e ele começou a sapatear ao som de Anunciação do Alceu Valença. Fazia mãos de musicais de jazz, rodava com os joelhos no chão e ia até o banheiro andando de lado, tirando e colocando na cabeça uma cartola imaginária.

Desde esse dia, Rodrigo passou a ser conhecido pelo apelido de Nárnia: a cachaça, o queijo e o sapateado.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

A difícil atualização da tecla "Foda-se".


Hoje de manhã, fomos correr com Barry White e Marvin Gaye, meus queridos vira-latas.

Sempre tive conhecimento de diversas fontes de adestramento e que é necessário um toque firme na coleira para controlar e educar o cão durante o passeio.

Como Marvin ainda não foi castrado, mesmo depois do exercício, ele ainda estava meio agitado. Corria, acelerava e queria ultrapassar o Barry que estava na frente. Por isso, eu o corrigia com o auxílio do toque na coleira. Até aí, tudo normal. Um desejo pela liderança de um cachorro na flor da puberdade esbanjando testosterona.

Eis que na rua, parou um sedan prata do meu lado com um senhor e uma mulher pouco mais nova e eles me chamaram.

Eu achei que eles queriam alguma informação. Aí, parei e me agachei para falar com eles.

Foi então que o homem me falou algo parecido com isto:

— Posso te pedir uma coisa? Não maltrate o cachorrinho. Ele é só um filhote! Se você não gosta, doa, mas não maltrata. Eu vi você puxando a coleira e enforcando o coitadinho.

Eu respondi:

— Imagina! Eu adoro eles... Isso é para correção.

— Mas você maltrata o cachorro. Ele é filhote!

Para não prolongar a conversa, abri um sorriso e respondi:

— Ok! Obrigado!

O carro foi embora e nós voltamos para casa.

Dessa cena, vieram as seguintes reflexões:

1 - Acho que tive a atitude correta de não prolongar uma provável discussão e resolver educadamente a história.

2 - Descobri que não sou tão zen assim. Momentos mais tarde, fiquei ofendido, chateado e puto da vida, ao pensar nessa intromissão do casal. A primeira coisa que pensei deles foi: eles devem ser do tipo que deixam o cachorro, ou os próprios filhos, reinarem sobre a casa e a vida deles. Mas parei de pensar dessa maneira, porque assim como eles, estaria julgando a situação e o mundo deles sem ter qualquer conhecimento.

3 - Depois até me senti culpado, pensando se eu estava realmente machucando o cachorro. Mas logo ignorei esse pensamento porque um cachorro escandaloso como o Marvin (meus vizinhos que o digam) não ficaria quieto se sentisse qualquer dor durante o passeio.

4 - Temos que tomar cuidado com o que lemos ou vemos na internet. Numa dessas, o cara poderia viralizar no Facebook uma foto minha, puxando o Marvin para perto de mim, com algum título que falasse de maus tratos de animais.

5 - Minha tecla "Foda-se" não está devidamente atualizada, porque fiquei me remoendo, a ponto de escrever este post, só por causa da opinião de um estranho idiota.


No fim, depois de divagar muito sobre o assunto, não tenho com o que me preocupar.

Marvin e Barry são saudáveis, brincalhões, carinhosos e adoram os humanos deles. Não há dúvidas disso.

Tentando ser zen novamente, posso até aplaudir o casal por essa preocupação e por terem coragem de falar com alguém sobre uma situação que os preocupou. Eles só escolheram a pessoa errada.

Segunda movimentada. A situação teria sido muito mais legal se o Marvin tivesse o impulso de mijar no carro deles, antes que fôssemos embora. Posso até imaginar uma cena assim.

De qualquer maneira, para eu não ficar engasgado com isso, uma mensagem final:

Prezado senhor do sedan prata e sua filha/esposa/companheira: vão tomar no cu.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Lâmpadas e coxinhas

A rotina diária pode não parecer uma grande luta, mas é difícil sobreviver a ela. Quando você vê, sua vida já está na mesmice, os anos vão passando mais rápido e de repente, vem o clássico arrependimento das decisões que você não tomou e das escolhas que foram feitas.

Rodolfo não tinha se dado conta disso. Reclamava para si mesmo todos os dias por ter que acordar cedo, ajudar sua esposa, colocar os dois filhos pequenos na perua do colégio e preparar o lanche deles. Tudo isso a partir das 5h da manhã.

Reclamar é um vício. Igual ao cigarro. Demanda tempo, energia, traz alívio em curto prazo a alguma angústia, mas é um hábito inútil se a pessoa está atrás de mudanças.

Bem como boa parte das pessoas, Rodolfo esperava alguma coisa mágica ou drástica acontecer para mudar sua vida. Tudo para fugir de sua própria responsabilidade pelo rumo das coisas. Por conta desse comodismo, chegou até a imaginar a morte de sua esposa e filhos. Só para poder reiniciar seu próprio mundo.

Visualizava o choque, o choro, o funeral, o consolo dos parentes e amigos, o período de luto e a recuperação triunfante. "Bom... Se ela me pedisse o divórcio, seria menos dramático, mas seria bem mais caro!" — pensava sabendo que não poderia compartilhar esse tipo de ideia com ninguém.

Nada é esperado quando se trata do destino. Sua família continuou viva e bem. Seu emprego no escritório de importação continuou o mesmo marasmo.

Um dia, em um raro almoço feliz de casual friday, foi arrastado com um grupo de amigos para um sex shop perto do escritório. Tinham tomado cerveja no restaurante e o álcool diluiu um pouco do pudor para facilitar o passeio.

Chegando lá, brincaram e tiraram sarro dos acessórios. A funcionária da loja até abriu sorrisos para a leve bagunça na loja. Rodolfo ficou imaginando suas colegas com as fantasias que elas pegavam dos cabides e experimentavam. Uniformes de colegiais japonesas, biquíni dourado da Princesa Leia e as clássicas roupas de couro sadomasoquistas.

Todos começaram a rir quando Rodolfo pegou o chicote da fantasia de dominatrix e disse: "É o Chirrin-Chirrion do diabo!".

Apontou o chicotinho para uma de suas colegas e falou:

— Biquíni da Princesa Leia, CHIRRIN!

Espanto. Todo o grupo ficou sem palavras. Inclusive a atendente da loja. A colega de Rodolfo imediatamente ficou com as roupas-fetiche da princesa.

Foi surpreendente porque ninguém nunca tinha usado um chicote sadomasoquista dessa maneira, e por um acaso bizarro do destino, era realmente o artefato demoníaco mostrado pela primeira vez numa história do Chapolim Colorado. 

Rodolfo ficou confuso. Questionou se estava bêbado. A leve simpatia alcoolica passou na hora. Depois se sentiu poderoso.

— Todo mundo nessa loja, CHIRRION! — gritou.

E todos sumiram. Não se sabe para onde foram. O espaço da loja ficou vazio. Só sobrou o chão e as paredes.

— Não gostava de ninguém aqui... Tudo Pra Você Importação Ltda. CHIRRION! — e fez o escritório em que trabalhava desaparecer com todos os funcionários que estavam no prédio.

Riu maleficamente. Pensamentos vingativos começaram a surgir. Foi quando teve uma brilhante ideia. Rodolfo fora assaltado duas vezes em sua vida: uma na rua e outra em que entraram em seu bar favorito durante um longo arrastão em Moema. Isso há uns três anos. Ele não sabia se a polícia tinha capturado os bandidos e teve medo de fazer o reconhecimento quando prenderam alguns suspeitos.

— Todos os bandidos que me assaltaram, algemados em cadeiras, CHIRRIN!

E surgiram. Cinco bandidos, amarrados em cadeiras e completamente confusos. Depois de se recuperar do espanto, Rodolfo falou:

— É... Vocês provavelmente não se lembram de mim. Mas eu sei exatamente quem é cada um de vocês. Hmmm... Os dois da esquerda me roubaram um celular quando eu voltava para casa. E vocês invadiram o bar que eu estava...

Os bandidos mantiveram o silêncio. Pareciam bem desorientados. Nenhum respondeu, apenas olhavam em volta para tentar descobrir onde estavam.

Não foi o susto do arrastão, tampouco o prejuízo material. A pior sensação do assalto para Rodolfo foi a impotência. Desde esse dia, ele ficou mais ansioso. Paranoico.

—  Coletes salva-vidas, CHIRRIN! — e todos os bandidos ficaram com um colete salva-vidas.

— Braços, pernas e cordas vocais, CHIRRION! — e todos os bandidos viraram cotocos mudos.

Rodolfo deixou os cinco na loja vazia e foi correndo buscar seu carro: uma Palio Weekend. Alguns minutos depois, conseguiu carregar o que sobrou dos bandidos até o porta-malas de seu carro. Entrou, deu partida, saiu e, com o chicote na mão, gritou:

— Testemunhas, CHIRRION! — Alguns transeuntes desapareceram.

Mais ou menos uma hora e meia depois, Rodolfo chegou com os desesperados bandidos no porto de Santos. Apontou o artefato para a água e disse:

— Barco, CHIRRIN! Testemunhas, CHIRRION!

Carregou cada um dos cotocos para dentro do barco e foi para alto mar.

— O olhar de vocês está impagável, galera. — disse Rodolfo, enquanto dirigia o barco. — Vale cada real de prejuízo que vocês me deram.

Desligou o motor do barco na distância em que não conseguia mais ver o porto. Um por um, Rodolfo jogou os bandidos sem braços, pernas e voz na água. Todos flutuaram devido ao colete salva-vidas.

— Boa sensação de impotência para vocês, pessoal! Até mais! — Ligou o barco e foi embora.

Foi um capricho. Mas Rodolfo era rancoroso demais e teve que fazer isso.

Chegando em terra novamente, passou a fazer seus novos planos com o Chirrin-Chirrion: criar seu atelier, tirar umas férias, viajar com a mulher e os filhos, ouvir mais música, ler mais livros... Opa! Peraí! Precisa de um artefato místico e demoníaco para poder fazer isso?