Rodrigo era motion designer em uma agência de publicidade online. Um cara descolado. Tinha em seu guarda-roupas 15 camisas xadrez de diversas cores. Era seu plano de emergência para ficar sem usar a máquina de lavar por uma quinzena e ainda assim, não repetir roupas no trabalho.
As calças jeans ele repetia. Mais de 3 vezes por semana. Não havia problemas. "Elas não sujam mesmo!" — dizia.
Passou a infância inteira em Araguari. Acabou herdando o delicioso sotaque da região.
Seu caminho na carreira de motion começou de maneira informal. Criava gifs engraçados. Utilizava o Photoshop para tentar fazer charges animadas e contar algumas histórias.
O pulo do gato veio quando, autodidata, aprendeu a usar o Flash, aos 16 anos.
Conto essa história porque, aos 17, por um acaso estranho do destino, conseguiu estágio em uma agência de publicidade aqui em São Paulo. A mesma em que trabalha até hoje, com 25.
Esses 8 anos no ramo, mesmo após algumas promoções simples, mas com praticamente o mesmo cargo e atividades, tornaram-se bem chatos.
Ok! O ambiente, clima e as pessoas são bem diferentes de empresas comuns, que Rodrigo chamava de "coxinhas".
No mundo das agências, tudo é muito divertido e espontâneo. Piadas, comentários do último vídeo da Porta dos Fundos ou sobre algum site inovador que pega seus dados no Facebook e faz montagens com as fotos dos seus amigos em animais dançantes, ao som de alguma sátira de "dumb ways to die".
Tem sempre alguma coisa nova rolando nos papos. O problema era a disputa diária para ver quem sabia mais das inovações que surgiam.
— Você viu o aplicativo novo da Diesel? NÃO VIU? Não acredito! Vou te mandar o link para baixar! É muito louco, cara! Muito louco!
Rodrigo percebeu que uma das coisas mais prazerosas de sua vida era responder "Ah! Eu já tinha visto!" a esse tipo de pergunta. Foi aí que começou a pensar mais sobre o futuro que queria para sua carreira.
Um dia, recebeu em seu e-mail mais uma série de ofertas do Peixe Urbano. Antes, deletava essas mensagens sem ao menos ler, mas dessa vez, resolveu dar uma olhada.
— Um curso intensivo de sapateado por 250 reais! Uma semana, todos os dias e em período integral, das 8h30 às 18h30.
Comprou na hora. Rodrigo era fã de Gene Kelly. Toda vez que garoava em São Paulo, "Singin' in the rain" tocava em sua cabeça automaticamente.
Decidira fazer o curso. Mas o que ele iria falar para seus chefes? Durante o fim de semana, depois de algum tempo refletindo, optaria pelo mais irônico.
E na segunda de manhã, telefonou para o tráfego da agência:
— Alô? Oi! Tudo bem? Olha só, eu torci o tornozelo ontem... Vou ter que ficar em casa de molho essa semana.
Para ter um bom álibi, publicou no Facebook a foto de algum pé com gesso. Só teve o trabalho de procurar nas imagens no Google e colocar a legenda: "De molho em casa :(".
Deu tudo certo no curso. Aprendeu os fundamentos, comprou os sapatos, conheceu a história da arte e treinou exaustivamente em casa. Descobriu que tinha talento. Fantasiou a semana inteira sobre como seria sua vida se conseguisse dedicar mais tempo à atividade.
Tantos sonhos fizeram o tempo passar rápido. Logo chegou a sexta-feira e na segunda seguinte, voltaria para a agência e sua vida normal.
Foi o que aconteceu. Os sonhos foram praticamente esquecidos enquanto usava sua brilhante criatividade artística para replicar os banners que surgiam em sua pauta de trabalho. Alguns atrasados da semana anterior.
Com tantos trabalhos para por em dia, essa semana também passou rápido.
Toda a equipe de criação resolveu fazer um happy hour para aproveitar a noite, que estava quente e agradável.
Fecharam uma garrafa de cachaça. Mesmo beliscando diversas porções de provolone e parmesão, depois de algumas doses, Rodrigo não conseguiu se segurar.
O álcool tinha diluído sua vergonha e ele começou a sapatear ao som de Anunciação do Alceu Valença. Fazia mãos de musicais de jazz, rodava com os joelhos no chão e ia até o banheiro andando de lado, tirando e colocando na cabeça uma cartola imaginária.
Desde esse dia, Rodrigo passou a ser conhecido pelo apelido de Nárnia: a cachaça, o queijo e o sapateado.
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