quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Lâmpadas e coxinhas

A rotina diária pode não parecer uma grande luta, mas é difícil sobreviver a ela. Quando você vê, sua vida já está na mesmice, os anos vão passando mais rápido e de repente, vem o clássico arrependimento das decisões que você não tomou e das escolhas que foram feitas.

Rodolfo não tinha se dado conta disso. Reclamava para si mesmo todos os dias por ter que acordar cedo, ajudar sua esposa, colocar os dois filhos pequenos na perua do colégio e preparar o lanche deles. Tudo isso a partir das 5h da manhã.

Reclamar é um vício. Igual ao cigarro. Demanda tempo, energia, traz alívio em curto prazo a alguma angústia, mas é um hábito inútil se a pessoa está atrás de mudanças.

Bem como boa parte das pessoas, Rodolfo esperava alguma coisa mágica ou drástica acontecer para mudar sua vida. Tudo para fugir de sua própria responsabilidade pelo rumo das coisas. Por conta desse comodismo, chegou até a imaginar a morte de sua esposa e filhos. Só para poder reiniciar seu próprio mundo.

Visualizava o choque, o choro, o funeral, o consolo dos parentes e amigos, o período de luto e a recuperação triunfante. "Bom... Se ela me pedisse o divórcio, seria menos dramático, mas seria bem mais caro!" — pensava sabendo que não poderia compartilhar esse tipo de ideia com ninguém.

Nada é esperado quando se trata do destino. Sua família continuou viva e bem. Seu emprego no escritório de importação continuou o mesmo marasmo.

Um dia, em um raro almoço feliz de casual friday, foi arrastado com um grupo de amigos para um sex shop perto do escritório. Tinham tomado cerveja no restaurante e o álcool diluiu um pouco do pudor para facilitar o passeio.

Chegando lá, brincaram e tiraram sarro dos acessórios. A funcionária da loja até abriu sorrisos para a leve bagunça na loja. Rodolfo ficou imaginando suas colegas com as fantasias que elas pegavam dos cabides e experimentavam. Uniformes de colegiais japonesas, biquíni dourado da Princesa Leia e as clássicas roupas de couro sadomasoquistas.

Todos começaram a rir quando Rodolfo pegou o chicote da fantasia de dominatrix e disse: "É o Chirrin-Chirrion do diabo!".

Apontou o chicotinho para uma de suas colegas e falou:

— Biquíni da Princesa Leia, CHIRRIN!

Espanto. Todo o grupo ficou sem palavras. Inclusive a atendente da loja. A colega de Rodolfo imediatamente ficou com as roupas-fetiche da princesa.

Foi surpreendente porque ninguém nunca tinha usado um chicote sadomasoquista dessa maneira, e por um acaso bizarro do destino, era realmente o artefato demoníaco mostrado pela primeira vez numa história do Chapolim Colorado. 

Rodolfo ficou confuso. Questionou se estava bêbado. A leve simpatia alcoolica passou na hora. Depois se sentiu poderoso.

— Todo mundo nessa loja, CHIRRION! — gritou.

E todos sumiram. Não se sabe para onde foram. O espaço da loja ficou vazio. Só sobrou o chão e as paredes.

— Não gostava de ninguém aqui... Tudo Pra Você Importação Ltda. CHIRRION! — e fez o escritório em que trabalhava desaparecer com todos os funcionários que estavam no prédio.

Riu maleficamente. Pensamentos vingativos começaram a surgir. Foi quando teve uma brilhante ideia. Rodolfo fora assaltado duas vezes em sua vida: uma na rua e outra em que entraram em seu bar favorito durante um longo arrastão em Moema. Isso há uns três anos. Ele não sabia se a polícia tinha capturado os bandidos e teve medo de fazer o reconhecimento quando prenderam alguns suspeitos.

— Todos os bandidos que me assaltaram, algemados em cadeiras, CHIRRIN!

E surgiram. Cinco bandidos, amarrados em cadeiras e completamente confusos. Depois de se recuperar do espanto, Rodolfo falou:

— É... Vocês provavelmente não se lembram de mim. Mas eu sei exatamente quem é cada um de vocês. Hmmm... Os dois da esquerda me roubaram um celular quando eu voltava para casa. E vocês invadiram o bar que eu estava...

Os bandidos mantiveram o silêncio. Pareciam bem desorientados. Nenhum respondeu, apenas olhavam em volta para tentar descobrir onde estavam.

Não foi o susto do arrastão, tampouco o prejuízo material. A pior sensação do assalto para Rodolfo foi a impotência. Desde esse dia, ele ficou mais ansioso. Paranoico.

—  Coletes salva-vidas, CHIRRIN! — e todos os bandidos ficaram com um colete salva-vidas.

— Braços, pernas e cordas vocais, CHIRRION! — e todos os bandidos viraram cotocos mudos.

Rodolfo deixou os cinco na loja vazia e foi correndo buscar seu carro: uma Palio Weekend. Alguns minutos depois, conseguiu carregar o que sobrou dos bandidos até o porta-malas de seu carro. Entrou, deu partida, saiu e, com o chicote na mão, gritou:

— Testemunhas, CHIRRION! — Alguns transeuntes desapareceram.

Mais ou menos uma hora e meia depois, Rodolfo chegou com os desesperados bandidos no porto de Santos. Apontou o artefato para a água e disse:

— Barco, CHIRRIN! Testemunhas, CHIRRION!

Carregou cada um dos cotocos para dentro do barco e foi para alto mar.

— O olhar de vocês está impagável, galera. — disse Rodolfo, enquanto dirigia o barco. — Vale cada real de prejuízo que vocês me deram.

Desligou o motor do barco na distância em que não conseguia mais ver o porto. Um por um, Rodolfo jogou os bandidos sem braços, pernas e voz na água. Todos flutuaram devido ao colete salva-vidas.

— Boa sensação de impotência para vocês, pessoal! Até mais! — Ligou o barco e foi embora.

Foi um capricho. Mas Rodolfo era rancoroso demais e teve que fazer isso.

Chegando em terra novamente, passou a fazer seus novos planos com o Chirrin-Chirrion: criar seu atelier, tirar umas férias, viajar com a mulher e os filhos, ouvir mais música, ler mais livros... Opa! Peraí! Precisa de um artefato místico e demoníaco para poder fazer isso?

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