Há tempos que estava intrigado. Se imaginava em uma situação como no filme "O Show de Truman".
Na linha azul do Metrô, reparou que ninguém entrava ou saía do trem quando ele parava na Estação São Joaquim. Tentava identificar se eram sempre as mesmas pessoas que circulavam pela plataforma. Observava atentamente se apareceriam criaturas estranhas nos cantos.
De qualquer forma, não sabia o que procurar. Uma vaca malhada estacionada? Um cachorro-quente alado? Orcs à espreita nas quinas das paredes apenas observando o movimento? Um portal para São Tomé das Letras? A sala de controle do reality show da sua vida? A imaginação ia longe.
Estaria ficando paranoico? Não queria fazer psicoterapia. Achava que psicólogos eram apenas um bando de perdidos ajudando outros desorientados. Tinha esse preconceito. Acabava tendo vários outros por pensar demais.
Não era à toa. Ficava enjoado quando lia em movimento. Também não conseguia jogar games no celular ou acessar o Facebook. Por conta disso, fazia a viagem entre o Jabaquara e o Tucuruvi completamente entediado. Um tempo perdido de sua vida.
Andava meio frustrado. Estava decepcionado com seu novo emprego. Tinha acabado de ser contratado nessa nova empresa. Era muito perto do Metrô. O serviço era o que ele sabia fazer e o salário não era mau. O problema era o chefe: um pé no saco.
— Eu ejaculei na cruz mesmo! — pensou, puto da vida. Era segunda, estava tenso, apressado e o chefe não relevaria os possíveis 20 minutos de atraso no horário de hoje.
Apesar das encheções de saco do seu gestor, era o emprego ideal. Tinha talento e experiência para as atividades. Mesmo assim, queria empreender e ter um negócio próprio, mas faltava-lhe coragem. Fez uma enorme pesquisa de rentabilidade de franquias. Tinha se interessado por uma que vendia relógios de pulso personalizados.
Mas como começar algo novo? O trabalho atual pagava bem suas contas, mas não permitia guardar muito dinheiro. Como largar essa pseudo-estabilidade para entrar em um território totalmente desconhecido? Será que ele ia gostar da vida de empresário?
Eram muitas questões de grandes consequências e mudanças. Até então, normal. Uma decisão dessas não é tomada por impulso. O que realmente estava incomodando era que o sujeito se sentia um grande covarde.
Sentir-se assim fez com que tivesse uma revelação ainda mais incômoda. Ele passou a perceber o quanto era parecido com as pessoas que ele não admirava.
Criticava uma prima solteirona que tinha vários talentos, mas que não os aproveitava. Ela ficava em depressão em casa, cultivando a hipocondria, neuroses e aproveitando os rendimentos da herança que recebera do pai. Ele a via como uma perdedora. Mas ficar em um emprego que, toda segunda-feira de manhã, o fazia suspirar de desgosto é uma vitória? Não é apenas outro tipo de acomodação?
Detestava o comportamento de um amigo, que nunca assumia as próprias responsabilidades. Esse cara sempre encontrava um culpado para tudo que dava errado na vida. Seguia fielmente a frase de Homer Simpson: "Se alguma coisa é difícil demais, então não vale a pena fazer".
Sem que esse amigo soubesse, deu-lhe o apelido de "Madre Teresa". Tudo porque o sujeito é cego para os próprios defeitos: nunca admitia ter preguiça, inveja, ou até mesmo desejar ou falar mal de alguém. Alcançara a perfeição pela cegueira.
Sentado no banco marrom do metrô, nosso protagonista pensava no quanto seu próprio mundo era perfeito pela cegueira. O que ele estava deixando de enxergar que deixava sua vida assim?
— Próxima estação: São Joaquim. Desembarque pelo lado direito do trem. — disse a voz nos altofalantes.
Pensou: "Foda-se! Já estou atrasado. Vou descer aqui mesmo para ver o que acontece!". E o fez.
Na plataforma, tudo certo. Seguiu até as escadas rolantes. Subiu, passou pelos bloqueios e foi em direção à saída.
De repente, sentiu uma enorme força o puxando progressivamente. Primeiro a ponta dos pés, joelhos, quadril, abdome, tórax e cabeça. Incontrolável. Era o vácuo vindo de um buraco negro.
Seus olhos não acreditaram no que viam: um fundo preto, estrelas, átomos circulando e cometas dourados em alta velocidade. Quando sentiu que o ar estava rarefeito, olhou para a direita e viu um cardume de sete peixes-lontra em uma formação de voo igual a de patos selvagens. Na esquerda, uma chuva de cabeças do Régis Tadeu gritando: "Eu odeio Manowar!" em contraponto de terças.
De repente, tudo apagou. O buraco negro o sugou completamente. Mas claro, pode ser que ele só tenha sido nocauteado ao escorregar em uma poça d'água e batido a nuca na calçada.
Um comentário:
que belas palavras, em algum momento, eu realmente gostaria de ser capaz de escrever um pouco, eu não posso agora, porque eu estou trabalhando muito em restaurantes de Jabaquara
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