Já passava das 23h. Estava lá, deitado na cama. Carlos chamava essas crises de "insônias aleatórias". Não tinham dia, nem critério e tampouco frequência para aparecer. Nunca chegou a procurar um médico para ver o que era isso. Tinha se acostumado.
Sua esposa já estava no 30º sono. Dormia tranquila ao seu lado. Ele estava feliz com ela. Depois de se entediar com o ritmo das luzes do celular se projetando no teto, passou a prestar atenção nela. Lembrou do dia em que se casaram, do primeiro encontro, início do namoro e das vezes em que saíram para se conhecerem melhor.
E por aí foi. Uma coisa levou a outra. Ao pensar em como tudo deu certo entre ele e sua esposa, passou a recordar todos os encontros desastrosos que passara na vida. Alguns nem foram tão ruins assim, mas teve um em especial que marcou demais.
Lá para o meio de 2006, ele tinha acabado de comprar seu carro. O nome da garota era Sabrina. Uma amiga da ex-namorada de um brother. Tinham se conhecido em uma baladinha qualquer.
Seria a estreia do Corsa como "abatedouro". Carlos se dava bem com Sabrina. Trocavam e-mails quase que diariamente sobre diversos assuntos. Às vezes, apenas com um "Oi, tudo bem?" na parte da manhã, a conversa se estendia pelo resto do expediente. O e-mail corporativo deles era praticamente um instant messenger.
Daí até marcarem de sair juntos, levou algumas semanas. Uma cantora de jazz faria um show no SESC Vila Mariana na ocasião. Carlos então, chamou Sabrina para assistir. Ela aceitou.
Sem GPS no celular e novo na carta de motorista, Carlos fez um estudo prévio para sair de seu trabalho na Lapa e buscar Sabrina no apartamento dela, em Moema. Durante o dia, entrou no Google Maps e falou com colegas que moravam na região. Tudo para não errar o caminho nem se atrasar.
Estava ansioso, mas tomava água para se acalmar. Tinha separado uma camisa para usar no encontro. Deixou um desodorante e um perfume na primeira gaveta de sua mesa. Comprou uma rosa colombiana para dar de presente a Sabrina.
Em paralelo a isso, fez tudo que tinha que fazer no trabalho em um ritmo alucinante. Terminou perto das 18h30, pontualmente no horário que tinha calculado para sair.
Desligou o computador, guardou suas coisas na mochila, pegou as impressões do Google Maps e saiu.
Dali para Moema, optou pelo caminho Marginal Pinheiros-Bandeirantes. Trânsito lento, mas tudo dentro dos cálculos de tempo que tinha estimado.
A única coisa que Carlos não previra era que a quantidade de água que bebeu durante o dia lhe causaria problemas logo naquela hora. Uma fortíssima vontade de mijar veio de repente, sem qualquer indício ou aviso prévio.
E o trânsito parado.
Ele começou a respirar fundo. A saída da Bandeirantes estava perto. Era só não se concentrar na própria bexiga. O carro avançou mais alguns metros. Carlos começou a dançar no banco. Dava pequenos e rápidos pulinhos usando apenas a força da bunda.
Pensou desesperado: "Puta merda! Chegar no encontro mijado é de cair o cu da bunda!". Começou a planejar uma visita rápida a alguma loja de roupas pelo caminho. Só para comprar um novo par de calças jeans.
Mais alguns metros. Finalmente! Entrou à direita e conseguiu andar um pouco mais rápido. Parou no primeiro boteco que encontrou, quase tropeçou no cinto de segurança que enroscou em seu tornozelo enquanto descia do carro e fechou a porta. Nem viu se estava parado em local proibido ou se tinha fechado o carro.
— Posso usar seu banheiro? Por favor! — pediu em tom de súplica para o homem no balcão.
— Opa! — respondeu o barman.
Ufa. Foi uma longa mijada. Alívio imediato. Lavou as mãos, agradeceu ao barman e voltou para o Corsa.
Mais tranquilo, conferiu as impressões do Google Maps e continuou seu caminho em direção à casa de Sabrina.
Chegou. Parou o carro na frente do condomínio e ligou de seu celular para ela. Alguns minutos depois, ela desceu. Carlos a esperou do lado de fora do carro, com a bela rosa colombiana na mão.
Ele a cumprimentou com um beijo no rosto. Sabrina agradeceu:
— Ai! Obrigada! Adorei meu presente! — disse sorrindo e cheirando a rosa.
Entraram no carro, conversaram sobre como o dia tinha sido e foram em direção ao SESC. Ou pelo menos, era o que Carlos achava.
Ele cometeu um erro básico. Na pressa, imprimiu as orientações para o local do show com origem em seu trabalho na Lapa, e não no endereço de Sabrina. Como não sabia andar por aquela região, acabou se perdendo. E ficou nervoso.
Sabrina ainda olhava para a rosa e continuava a conversa, mas Carlos não a ouvia. Ele quase suava frio tentando reconhecer alguma rua. Ele seguia em frente como se soubesse para onde estava indo.
Até que não teve jeito. Carlos precisou perguntar:
— Hã, Sabrina? Você sabe voltar para a 23 daqui? — a 23 de maio seria um bom referencial para Carlos se orientar.
— Humm... Deixa eu ver... Entra na próxima esquerda... Não, a segunda à esquerda...
— A primeira ou a segunda? — perguntou Carlos, ainda disfarçando o nervosismo.
— A segunda!
Passaram pela primeira rua, na segunda, perceberam que era contramão.
— Xii... Então é a terceira ou a quarta... — disse Sabrina, em tom de dúvida.
— Entro agora na terceira?
— É... Não sei. Acho que a 23 está para a esquerda.
— ENTRO NESSA OU NÃO?!
Com o aparente descontrole de Carlos, o silêncio imperou no carro por alguns segundos constrangedores, que pareciam uma eternidade. Até que Sabrina falou:
— Entra na próxima e vamos descobrir. Eu sou só uma menina do interior. Também não sei andar por aqui direito.
Hoje, Carlos tem mais claro na mente que, naquele preciso momento, suas chances de sucesso com Sabrina caíram para -50. Ele nem se lembra como conseguiram chegar ao SESC, assistir ao show e ainda jantar.
Sua memória pode ter exagerado na intensidade do descontrole. Mas tudo bem. O sono finalmente chegou. Carlos deu uma risada silenciosa, bocejou e virou para o lado de sua esposa. Dormiu até o despertador tocar, umas horas depois.
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