Lá estava Gustavo. Sentado de frente a uma fogueira assando um besouro que tinha encontrado. Era o jantar mais farto desde a grande tragédia, há três semanas.
Estava faminto. Pensar que fazia dois meses que tinha sido chamado para ser estagiário da agência De Lorean Creative Solutions Ltda. Depois de um longo processo seletivo, fora escolhido para a área de atendimento.
Antes que todos pudessem perceber o avanço tecnológico, a viagem no tempo já era possível. Dos estudos finais até a utilização banal foi uma evolução muito rápida. As agências de publicidade foram as primeiras a adotar as máquinas do tempo como ferramenta de trabalho.
Problemas de prazo, entregas, pressão. Era uma solução perfeita. A expressão "esse trabalho é para ontem" passou a fazer sentido.
A De Lorean foi pioneira. Os gerentes de projeto amaram a ideia. Os clientes, mais ainda.
As duplas criativas trabalhavam da seguinte maneira: o job complicado chegava com um prazo apertado. O diretor de arte e o redator definiam o tempo para a execução do trabalho. Podiam demorar o quanto precisassem para uma entrega de qualidade.
Ao terminar o trabalho, mesmo que muito atrasado, os funcionários do atendimento faziam a viagem no tempo para apresentar, aprovar e veicular as peças na data que tinha sido estipulada.
O único cuidado especial que devia ser tomado era para não desorganizar a agenda dos gerentes do projeto. Mais uma função que deveria ser incorporada nas planilhas de cronograma.
Alguns simplesmente incluíram a coluna "EVT" (Entrega com Viagem no Tempo) ou "EMT" (Entrega com Máquina no Tempo). Tudo era uma questão de planejamento.
Quando passou no processo seletivo, o RH e os gestores de área definiram que o melhor lugar para Gustavo era no departamento de atendimento, auxiliando na administração das contas de varejo.
Gustavo estava feliz. Era uma grande oportunidade. Trabalharia em uma das maiores agências do país. Uma empresa que tinha crescido muito nos últimos anos. A De Lorean duplicou o faturamento com a conquista dos primeiros clientes que buscavam a solução da máquina do tempo.
A viagem temporal, principalmente no período de implantação, era um típico serviço para estagiários. Era necessário vestir uma roupa especial protetora. O material era amianto porque, durante as viagens, havia o risco de combustão espontânea.
Funcionava assim. Havia uma estrutura de metal cilíndrica, de 2 m de altura por 1,60 m de diâmetro.
A cabine tinha um painel eletrônico, com um teclado numérico onde eram digitados a data-destino e o horário. Devido à perda de dois estagiários por erros de digitação, foi estipulado como medida de segurança que a data limite para viagem seria 10/6/2010, dia em que a ferramenta fora implantada na agência. Assim, quem viajasse teria um meio de retornar ao seu tempo de origem.
Em resumo, assim que entrava na cabine, o viajante do tempo era submetido a micro-vibrações muito rápidas. Vibrava tanto que acontecia uma desestabilização molecular, assim, o grupo de moléculas era deslocado no sentido contrário de rotação da Terra, até a data desejada. A combustão nas primeiras viagens vinha do atrito com o ar no início da micro-vibração.
Enfim. O problema estava resolvido. Gustavo já estava se acostumando com as viagens. No começo, sentia um pouco de náuseas. Nada demais. Quando chegava no "tempo de entrega", era necessário apenas dar a seu chefe o pendrive com as peças e depois, voltar à máquina do tempo.
Tudo muito simples.
As coisas começaram a mudar quando a De Lorean venceu a concorrência de sua primeira conta imobiliária: Pássaros de Goiânia Construção e Vendas. O cliente, atraído pela maravilha da viagem no tempo, optou sem pestanejar pela agência.
Com um gordo fee, o maior da casa, a conta tinha muitos poderes e privilégios sobre os funcionários da De Lorean. Por causa disso, todos foram muito imprudentes na utilização das EVT's.
Um e-mail marketing. Algo muito simples que teve consequências desastrosas para o planeta.
A peça, que informaria o mailing de um evento em conjunto com a Caixa Econômica, conteria uma lista de empreendimentos que estariam em promoção e ótimas condições de financiamento. Contando com a EVT, o prazo já estava apertado. O trabalho entrou na agência na quinta-feira. O evento seria no sábado.
Na própria quinta, depois das 19h, a dupla criativa finalizou o trabalho.
Primeira alteração na sexta: a medida de um dos residenciais, o Jardim de Lírios com Orvalho, estava errada. Não eram 82 metros quadrados, e sim 70. Gustavo voltou para quinta-feira às 19h para refazer a entrega.
Segunda alteração na segunda-feira seguinte: o cliente não gostou de uma das cores no layout. Não estava vendedor. Era necessário passar mais alegria e esperança em um evento que oferecia uma oportunidade singular de compra de imóveis. Lá foi Gustavo de novo para a quinta-feira às 19h com o pendrive de alteração.
Terceira mudança, na segunda ainda na parte da tarde: o fundo do logo parecia estar prata, quando, na verdade, deveria ser cinza. Isso ia contra as especificações do guide. "Vai lá, Gus!".
Quarta alteração: trocar a palavra "imóvel" para "apartamento" em todo o e-mail. O enjoo que Gustavo sentia nas primeiras viagens até voltou a atacar seu estômago.
Quase uma semana depois da primeira entrega do job, veio o último pedido de alteração. E foi realmente o último. Pena que não deu tempo de aprender com esse erro: alterações e viagens no tempo formavam uma destrutiva combinação.
Enquanto Gustavo viajava, no formato de um agrupamento de moléculas soltas a grande velocidade, acabou se encontrando com dois outros Gustavos viajantes de outras alterações.
Houve um choque molecular e atômico, similar ao experimento no Grande Colisor de Hádrons, que desestabilizou os nêutrons e gerou a maior explosão atômica já documentada. O cogumelo de fumaça poderia ser visto da Lua.
A explosão varreu a vida na superfície da Terra. Sobraram apenas baratas, alguns insetos e um Gustavo, que surgiu na cabine da máquina do tempo após a estabilização de tudo.
Ele encontrou um mundo pós-apocalíptico típico. Deserto, sem luz e, até onde se sabia, sem zumbis.
No fim, só lhe restava torcer que a Emma Watson também estivesse viva para ajudar a repovoar o mundo.
2 comentários:
Moral da história: Nunca peça um job pra ontem, isso pode trazer consequências terríveis ao nosso planeta!
Simplesmente genial.
Postar um comentário