quarta-feira, 18 de julho de 2012
Mundos
Todos os anos, a cada Virada Cultural, eu ouço comentários contra o evento.
“Ai... É muita gente!”
“Meu amigo foi assaltado lá!”
“Você viu que morreu uma pessoa?”
“Está rolando o vinho químico e um monte de brigas por lá!”
“Ai... Estava no Metrô, vi que era muita gente e desisti...”
Até comentei com uma amiga: “Caraca! Eu devo viver no mundo da Coca-Cola, porque faz uns 7 anos que vou direto e nunca me aconteceu nada”.
Otimistas e pessimistas. Todos acham que são realistas.
Isso me fez pensar em outro assunto: o auto-engano.
É impossível dizer o que é a realidade. Sempre teremos uma percepção, próxima ou não, do que as coisas são.
No que diz respeito ao auto-conhecimento, nossa percepção pode ser ainda mais discrepante. Em geral, sabemos muito pouco sobre nós mesmos, até porque não queremos saber.
Aí, criamos um mundo próprio e personalizado para viver. Fiel a realidade? Nunca poderemos dizer.
A não ser que você tenha plena consciência de que o frio não existe, por exemplo. Que são só seus neurotransmissores passando uma informação ao cérebro.
Ou ao chutar uma mesinha de centro descalço, você pense convicto: “se eu não tivesse um cérebro, não sentiria dor. Logo, isso não é nada.”
E que um por do sol ou uma praia são a mesma paisagem monótona em qualquer lugar do mundo. Achar bonito ou feio é apenas outra mensagem entre suas sinapses.
Diferentes visões, julgamentos, percepções, sensações. Se cada um de nós cria o mundo em que vive e a ilusão não é prazerosa ou satisfatória, é mais fácil inventar um mundo novo.
Acho que psicoterapia pode ajudar nessa tarefa.
terça-feira, 3 de julho de 2012
Espelhos
Há alguns anos, participei de uma dinâmica de grupo na faculdade.
Tínhamos que escrever nossas características, positivas e negativas, em etiquetas adesivas.
Depois, ao som de uma música qualquer e em movimentação aleatória pela sala de aula, colaríamos as mesmas etiquetas em nossos colegas.
Que eu me lembre, o objetivo do exercício era mostrar alguns traços da própria personalidade e encontrar, em outra pessoa, algo similar.
Duas das minhas etiquetas ficaram registradas na memória até hoje. Uma dizia “egoísta” e a outra “preguiçoso”.
Em doses moderadas, o egoísmo é bom. É importante que cada um olhe para o próprio umbigo de vez em quando. Porém, em geral, a palavra tem conotação bem negativa.
Já a preguiça, apesar de ser uma delícia, também carrega um estigma ruim.
Ao fim da atividade, cada participante faria comentários das rotulações que receberam dos colegas.
A menina que recebeu “egoísta” falou, com lágrimas nos olhos, o quanto ela fazia questão de ajudar os outros, e receber tal adjetivo era uma grande injustiça. Momento de tensão no ar.
Outra colega também ficou indignada ao ser chamada de “preguiçosa”, e tendo o apoio de uma amiga, discursou sobre o quanto ela trabalhava durante o dia para ainda encarar a faculdade.
Confesso: eu não esperava que as minhas etiquetas seriam motivo de tanta polêmica.
No dia, fiquei em silêncio e até acanhado. Hoje, como num pop-up, a cena voltou na cabeça e pensei: se aquela característica era tão discrepante em relação a personalidade delas, por que será que incomodou tanto?
Será que enfiei uma bituca de cigarro em uma ferida aberta e girei?
O que incomoda é o que não gostamos em nós mesmos e preferimos nem pensar?
O que não gostamos no outro é justamente o que não temos coragem de assumir que somos ou fazemos?
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