quarta-feira, 17 de abril de 2013

Desconvicto

Dizem que o Facebook é igual geladeira. Você sabe que não tem nada, mas fica olhando de cinco em cinco minutos.

Para Zé Paulo era ainda pior. É como se abrisse a geladeira e encontrasse vários potes de requeijão cheios de bolor.

O cara levava o Facebook a sério demais.

Há alguns meses, Zé Paulo estava desempregado. Isso fez com que ele ficasse mais tempo conectado em seu computador. Procurando emprego, acessando o Globo Bizarro e reativando contatos.

Na rotina de seu desemprego, também passava algumas horas sem inspiração olhando para uma postagem em branco de seu blog. Não tinha assunto para escrever. Só naquele ano, tinha postado quatro manuais de boas maneiras nas redes sociais.

Faltava identidade. Queria se diferenciar dos outros, mas não sabia como.

Seu blog até tinha bons acessos, mas não tanto quanto gostaria. Isso o frustrava demais. Zé Paulo queria ditar tendências. Queria dizer para o mundo o quanto ele poderia ser cool. Queria dar palestras no YouPix, ser chamado para podcasts famosos e tirar fotos como celebridade nerd na Campus Party.

Mas lá estava ele. Com uma camiseta velha e furada da Camiseteria, que usava como pijama, uma bermuda com elástico frouxo, suja de café e manteiga. Procurava por uma vaga de analista de mídias sociais e, em paralelo, acompanhava o feed de seus 1.612 amigos no Facebook.

Isso o estava deixando bem puto.

Pensava: "nenhum desses filhos da puta leu meus manuais de etiqueta?".

A primeira foto de sua timeline era de um grupo de sete filhotinhos. Uma amiga da época da faculdade tinha compartilhado. A legenda dizia que eles tinham sido abandonados perto da Avenida João Dias. Estavam passando fome e um deles estava bem magrinho. Supostamente.

Ao ver a foto, Zé Paulo resmungou em voz baixa:

— Caralho! Essa puta tem um Shih-Tzu de 1000 reais no apartamento dela e vem querer pagar uma de defensora dos animais? Por que será que ela mesmo não acolhe os bichinhos?

De qualquer maneira, curtiu a foto e marcou alguns amigos que poderiam ajudar. Continuou a rolagem na timeline.

A próxima idiotice foi uma foto tirando sarro da última goleada sofrida pelo Palmeiras. Ficou puto novamente.

Pensou: "É um babaca... Esse é aquele mesmo imbecil que me empurrou quando comemorei o gol que o time dele tomou. É típico. Quem defende que a zoação é comum e saudável no futebol é o primeiro a se inflamar e arrumar briga.".

Engolindo mais um sapo de stress, clicou no status e cancelou a assinatura. "Não estou com saco para essa merda!" — suspirou.

Mais alguns posts abaixo, questionou se os idiotas resolveram aparecer todos juntos ou se era simplesmente o fato de que estava prestando mais atenção no Facebook.

Eis que, um post abaixo do outro, estava uma foto pedindo para cortarem o benefício do 14º dos deputados. Era só chegar a um milhão de compartilhamentos.

Pouco depois, viu um inflamado amigo dando seu apoio à Coreia do Norte e um texto super formal reivindicando ao Facebook os direitos sobre as próprias postagens, fotos e conteúdos publicados.

— Odeio quem não pensa antes de fazer as coisas... Como são idiotas! — falou sozinho.

Mas a próxima carga foi demais. Uma colega de trabalho da última agência em que estava publicou uma notícia de que Suzane Richthofen seria responsável pela presidência da Comissão de Seguridade Social e Família. Lá estava o link do Sensacionalista e o comentário "Que absurdo! Aonde esse país vai parar!".

Zé Paulo ficou em silêncio e começou a suar. Claramente, algo não estava bem.

Até que veio o post de um cara falando: "Big Brother? Funk? Novela? É Brasil! Vai si alienando assim mesmo. Mais uma vez a cultura do pão e circo. É por isso que estamos nessa merda!".

— O maluco quer falar de cultura, ignorância e massificação, mas nem sabe escrever direito! POORRA! Fora que ele quer mudar o mundo pelo Facebook. Caralho. Mas calma aí, se aqui está a concentração dos esforços de todos, é aqui que as coisas vão começar a acontecer? Abaixo-assinados online, piquetes online, pensadores online, mensagens libertadoras online. Mas é tudo tão fútil. O que eu faço?

Os pensamentos, dúvidas e indagações invadiram sua cabeça como um trem-bala pilotado por um hooligan bêbado.

Palpitações, suor excessivo, tremedeira, falta de ar e tontura. Zé Paulo teve um ataque de pânico.

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