quarta-feira, 23 de setembro de 2015
Sem frio
Era inverno. Isso atrapalhou também.
No meio de julho em São Paulo, Dirceu acordou e não sentiu tanto frio. Era aquele clima ideal que agrada calorentos e friorentos. Temperatura em torno dos 16 graus, sol e um pouco de vento. Paulistanos confusos saíam nas ruas alguns com casaco, outros sem.
Porém, estava nevando. Isso que era estranho.
Dirceu nunca tinha visto aquilo em São Paulo. Os pontinhos esbranquiçados caíam sem parar. Era algo que poderia dividir opiniões. Não parecia ser algo macio como a neve do Chile, tampouco lembravam cristais de gelo do Japão.
Na janela, viu que os carros trafegavam sem escorregar pela avenida.
Curioso, ligou no Bom Dia São Paulo para ver se algo foi mencionado. Nada! Crimes, engarrafamento nas marginais, a rodada do futebol...
Estaria alucinando?
Nem parecia que Dirceu estava tão intrigado. Seguiu com sua rotina da manhã com todos os seus movimentos automáticos.
Dourou um pão de forma com manteiga na frigideira, passou cream cheese depois, jogou leite em pó direto no café, escovou os dentes, vestiu seu terno e saiu de casa.
A essa altura, nem prestava mais atenção na neve que continuava caindo.
Já no seu carro, a minúscula nevasca foi foco. Dirigiu com cuidado redobrado e pouco abaixo da velocidade máxima das vias. Isso irritou um pouco os outros motoristas.
Dirceu recebeu buzinadas, foi ultrapassado diversas vezes. Todos os xingavam. Ele ficou constrangido e acanhado, mas manteve a calma. Racionalmente pensou: "minha segurança em primeiro lugar.".
Acabou preso em um engarrafamento. Em outros dias essa situação seria um incômodo, mas como estava com medo de perder o controle do carro, ficou até feliz.
Deduziu que o acidente que estava atrapalhando o trânsito era por causa de um desses motoristas imprudentes e até inexperientes para dirigir na neve.
Andando a uns 15 km/h, o shuffle de seu iPod começou a tocar "N.I.B" do Black Sabbath. Dirceu dançou de leve dentro do carro, mas quando olhou para a direita, viu que a janela estava meio aberta e que tinha um pouco de neve no banco dos passageiros.
— Merda! — gritou.
Fechou a janela.
Quando passou pelo acidente, quase como mágica, o trânsito passou a fluir normalmente. Um motoqueiro tinha caído. O SAMU já o tinha colocado numa maca e eles entravam com cuidado na ambulância.
Dirceu sentiu mais segurança para prosseguir com a velocidade que costumava andar, e uns 10 minutos depois chegou ao trabalho.
Lá pelas 9 horas, aquele sol de inverno começava a esquentar os pontos sem sombra do caminho entre o estacionamento e o prédio da empresa.
Durante a caminhada, a neve não deu trégua e parecia cair cada vez mais. Dirceu estranhou. Estava quase suando. Será que tinha algo errado com ele? Sempre fora meio friorento. Apesar do sol, uma nevasca dessas deveria afetar um pouco seu corpo.
Pensou que estava muito agitado pela aquela sensação de alerta constante. Estava tenso e preocupado enquanto dirigia. Ficou um pouco mais tranquilo.
Bateu o ponto e subiu as escadas. Olhou por uma janela e viu a neve continuar a cair.
Foi direto para o café. Ia fazer um chá de camomila para tentar se acalmar.
Lá, um colega que bebia um capuccino observou Dirceu e perguntou:
— Está tudo bem? O que você tem?
Dirceu respondeu:
— Nada. Só estou achando estranho que não sinto frio! Alguma coisa está errada.
Seu colega o olhou bem no rosto e respondeu:
— Cara, fica tranquilo. Vai ali no banheiro, relaxa e lava o rosto. Isso ajuda.
Dirceu, concordou e assentiu com a cabeça.
Foi até o banheiro e viu que seu rosto tinha vários pontos brancos espalhados.
Não era neve. Dirceu tinha caspa nas sobrancelhas.
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