terça-feira, 11 de setembro de 2018

Ikigai


Sei que é meio clichê, mas vou fazer uma segmentação bem idiota agora.

Entrei numa jornada de autoconhecimento. Talvez por causa do meio dos 30 anos. Vai saber... Mas falando da minha vida profissional, estou como um adolescente punheteiro: em descoberta.

Talvez por isso, meus dois últimos posts aqui tiveram esse teor "querido diário". Escrever sempre ajudou a sintetizar minhas ideias.

Entre textos de despedida das agências de publicidade e duas reativações do meu CRP para voltar a atender na Psicologia clínica, uma coisa sempre esteve presente no meu cotidiano: Música.

Um antigo colega de trabalho, hoje YouTuber e digital influencer disse que eu deveria trabalhar com música.

Falou muitos anos atrás. Só hoje que isso passou a fazer sentido. Cheguei a montar um blog de bandas com um amigo, mas a chama da empolgação se apagou pouco a pouco, e hoje ele está abandonado.

A inveja sempre foi pintada como algo ruim, mas ela também pode ser vista como algo motivador. Enquanto percorria meus caminhos malucos, alguns amigos sempre souberam o que queriam. Hoje, vivem, batalham e seguem em seus trabalhos como músicos profissionais. Também me inspiram e ensinam muito.

Obrigado por isso!

Eu estava cansado.

Cansado de tocar em bares vazios, carregar equipamento, montar o som, de me estressar com o trânsito e o horário marcado, voltar de madrugada para casa. Mais ainda de ganhar pouco e ficar o tempo todo pesando "vale a pena isso tudo por aplausos?".

Observando grandes bandas da noite paulistana, pensava também: "será que estou disposto a passar por tudo o que eles passaram para chegar onde eles estão?".

Em respeito a todos eles, sempre dei o meu máximo para ser o melhor profissional a cada apresentação.

Não me entendam mal. Estar num palco é uma das melhores sensações que existem. O contato com o público, tocar o estilo de música que você mais gosta de ouvir e estudar... É uma energia diferente. Uma sensação de "I fucking love my job" que poucos no mundo têm o privilégio de sentir.

"I fucking love my job!"

Talvez por isso, as pessoas não-musicistas têm em suas cabeças o estigma: "você é músico mas trabalha com o que?". Sinceramente, não sei dizer qual outra profissão oferece este prazer indescritível no ato e momento de estar trabalhando.

Aquelas 2 horas de show, no palco em contato com a plateia, a sensação é maravilhosa. Cura dor de cabeça, mau humor, tristeza. Tudo!

Mas calma lá. Esse prazer todo não é pagamento. Músicos têm contas para pagar. Muitas. Não têm plano de saúde entre outros benefícios que um funcionário tem, só para citar um exemplo.

Colocando tudo no liquidificador, veio a pergunta: como continuar tocando sem passar por todos esses perrengues e desventuras que me incomodavam tanto?

A resposta veio da nostalgia. A primeira banda que tive com minha esposa era um trio. Em um reencontro com o pianista, percebemos que estávamos todos no mesmo barco. Saudades de fazer música, mas de saco cheio dos bares.

Passamos a gravar em home studio, editar clipes e criamos nosso canal: Careless Home Studio.

Faz pouco mais de um ano e continuamos empolgados. Entre versões, covers e composições próprias, já temos uma frequência de publicações e o projeto continua. Aproveitando, inscrevam-se lá e curtam nossos vídeos.



Aqui que entra o "IKIGAI". Acho que até esperei a gravação do vídeo acima para falar sobre o assunto. Música se enquadra nas quatro categorias da imagem no começo deste post.

What you love: sim, sou apaixonado por música, guitarras, baixos, baterias, teclas, blues, rock, grooves e afins.

What the world needs: acredito do fundo das minhas tripas que o mundo está precisando de música. Mensagens fortíssimas podem ser passadas através de sons e canções. Tem muita gente legal mostrando seus trabalhos. Temos que parar de reclamar que esse ou aquele artista comercial é ruim, tal estilo é um lixo e etc. Em vez de reclamar que "Fulano é uma bosta", que tal prestigiar uma caralhada de artistas legais que estão tocando por aí?

What you can be paid for: bom... Essa é parte difícil. Mas estou correndo atrás de conseguir pagar minhas contas fazendo o que amo.

What you are good at: mesmo medíocre, continuo estudando guitarra sempre com aquele pensamento de que é menos do que deveria. Felizmente, tenho a impressão de que as pessoas gostam do que ofereço musicalmente.

Não vou mentir. Além de vomitar o que passava na minha cabeça, também quis promover o nosso canal. Espero que gostem!

sábado, 25 de agosto de 2018

Significados


Ninguém na família gostava de tatuagens. Sei lá por que eu fui fazer a minha primeira.

Lembro-me que um grande amigo tinha feito a dele. Não sei se foi isso que me empolgou.

Só sei que fiquei um dia inteiro, alternando entre minhas tarefas na agência e conversas com uma amiga, que mais tarde virou minha esposa, em uma divertida pesquisa de kanjis e seus significados.

Depois de muito estudar, chegamos aos kanjis escolhidos. Imaginava que minhas tatuagens precisavam de significado. Nada contra quem se tatua por outros motivos, mas o significado é a minha única motivação.

Por fim, a primeira foi 子 (ainoko), que tatuei em meu antebraço esquerdo. Simples. O significado literal é "filho do amor". A explicação que encontramos foi a de que os mestiços eram filhos de casais que não tiveram o casamento arranjado no Japão (Miai). A palavra era por si só pejorativa e foi substituída atualmente por ハーフ (Hafu), um derivado de "half".

Tinha achado bem legal a ideia até mesmo por ser um termo pejorativo, fora que "filho do amor" é muito mais interessante que "half breed".

Tatuei e a vida seguiu em frente!

Anos mais tarde, veio outra ideia. Tatuar um pakuá chinês e um cachorro tribal. Uma amiga do trabalho disse que tribais eram batidos e sugeriu que eu fizesse um cachorro de cordel, em xilogravura. Pesquisei referências na net e um amigo ilustrador fez o desenho. Daí, fui direto para o estúdio de tatuagem.

O significado? Cão é meu signo no horóscopo chinês. Fora que são criaturas adoráveis que me ensinam muita coisa. A mistura entre o cordel e o pakuá chinês também trariam essa minha genética "viralática" para a tatuagem.

O desenho ficou no centro das minhas costas, entre as escápulas e pouco abaixo do pescoço.

Sosseguei por uns bons 5 anos. Apesar disso, tinha em mente que gostaria de fazer mais uma. Foram negociações tranquilas, mas a esposa dizia não querer namorar um "gibi". Ou um membro da Yakuza. Estabeleci para mim mesmo que na próxima oportunidade, seria minha última tatuagem.

A ocasião surgiu no começo de 2018. Um amigo que é um excelente ilustrador começou a estudar  tatuagens e precisava de "cobaias". Aceitei o convite pela qualidade do trabalho dele e também por conhecer seu altíssimo nível de disciplina e dedicação. Tinha confiança de que, mesmo sendo um iniciante no ramo, a tatuagem seria muito bem feita.

Esta última é a que tem mais significados agregados em sua criação.

São dois leões de Okinawa, ou Shisa, ou ainda Fu-Dog e Komainu. Foram várias as maneiras de pesquisar no Google e encontrar referências para o desenho.

As estátuas são comumente vistas na entrada de templos no Japão. São guardiões protetores. Uma das lendas ou histórias deles é possível ler aqui.

A ideia seria fazer uma estátua no braço esquerdo com o kanji 夢 (yume) e no direito, outra com o kanji  (ima).

Resumidamente, o lado esquerdo corresponde ao nosso lado espiritual. Então, a estátua desse braço teria o kanji 夢 que significa "sonho". Isso porque eu gosto muito da história do Monge Takuan Soho, que instantes antes de morrer, pediu um papel com pincel e escreveu o ideograma.

Mesmo um conceituado monge budista como ele precisava do lembrete de que a nossa vida aqui é só um sonho. Assim, ele não se desesperaria com a proximidade da morte, um marcante momento em que nós "acordamos" desse sonho.

No braço direito, que representa o lado racional, estaria a outra estátua e o kanji 今  que significa "agora". Um lembrete para a minha racionalidade de que o passado não existe mais, é apenas uma lição e nunca pode ser uma tortura.

Uma marca para me fazer focar no presente, trazer discernimento para o que é necessário no aqui e agora, além de ser um símbolo para me ajudar com a ansiedade pelo futuro.

O tatuador é meu senpai no Aikido e trouxe, empolgado, ainda mais significados para a tatuagem.

Conversávamos muito sobre marcialidade.

O Aikido é conhecido como a arte da paz, harmonia e cooperação. Mas isso não quer dizer que não é uma arte marcial. Deve-se ter sempre em mente que seus movimentos podem causar muitos danos. Quem sou eu para me aprofundar e escrever sobre o assunto aqui, mas o ponto é que sou visto como muito "bonzinho" para fazer uma arte marcial. Tenho aflição de movimentos que podem quebrar dedos, cotovelos ou outras articulações.

Em paralelo a isso tudo, conversamos que as estátuas dos guardiões representam bem essa marcialidade: elas não são agressivas ou ferozes. Elas só ficam ali e aguardam. Apenas se for necessário vão utilizar suas forças para defender o templo.

Cheguei a pensar que as tatuagens são minhas armaduras, mas acho que significam mais: são meus amuletos.