terça-feira, 23 de abril de 2013

Lei da atração?

Pouco depois do almoço, lá para umas 14h, Haroldo caminhava calmamente pela rua até a empresa onde trabalhava. Ele e seu colega conversavam. Era quarta-feira, dia de feijoada. Ambos estavam se sentindo meio cheios. Já previam que não iam trabalhar direito na parte da tarde.

Durante o caminho de volta, havia uma lotérica. Para dar uma enrolada maior até o fim da hora do almoço, resolveram fazer um jogo da Mega-Sena. Maior prêmio da história: 300 milhões de reais.

Marcaram seus números, escreveram o nome e CPF no comprovante e voltaram para o escritório.

"O que você faria se ganhasse na loteria" é o melhor assunto para combater silêncios constrangedores em situações sociais. Por exemplo em bares, restaurantes e/ou festas em que as pessoas ainda não estão bêbadas o suficiente para o assunto fluir melhor. É um tema coringa, assim como "sexo com celebridades", "desventuras com telemarketing" e "histórias de bêbado". Todo mundo já pensou ou viveu algo nesse contexto que vale a pena ser contado.

Haroldo e seu colega sentaram em suas mesas, com planos e sonhos na cabeça. — Imagina ganhar sozinho? — pensavam.

Alguns visualizam o próprio pedido de demissão. Cinematográfico. Se não vai com a cara do chefe, fica mais espalhafatoso ainda. Ir na sala dele, gritar a plenos pulmões "CHUUUUUPA!", tirar a calça esfregar a bunda na mesa de vidro "NHEC! NHEC! NHEC!", deixar um montinho de cocô embaixo do mouse da pessoa. As possibilidades são infinitas.

Não era o caso de Haroldo. Em seus planos, apenas a vontade de gastar tudo e morrer feliz após fazer as atividades que gostaria. Não queria ser rico, aplicar o dinheiro, tampouco ter uma aposentadoria. Enquanto alguns planejam separar um percentual do prêmio para "torrar", Haroldo simplesmente "torraria" tudo. Um pouco em chocolates, outro tanto em viagens, experimentaria todos os tipos de comida e cervejas.

Mas a vida continua. Ambos dobraram o bilhete e o deixaram dentro de suas carteiras.

É impossível determinar a razão, mas na vida de Haroldo, nada que ele esperava acontecia. Às vezes, ocorria até o contrário. Ele até dizia que tinha poderes climáticos. Quando separava um casaco, fazia calor. Quando lavava o carro, chovia.

Em qualquer outra situação, esse fenômeno também aparecia. Sempre que ficava preocupado com o trânsito e atrasos, o tráfego fluía como um bloco de manteiga num toboágua. E quando ficava tranquilo em relação a algum relatório que fazia no trabalho, dava merda.

Haroldo começou a acreditar nesses poderes de contrariar probabilidades quando foi conferir os números da Mega-Sena. E não é que o filho da puta tinha ganhado? Sozinho.

A verdade é que ninguém sabe como reagiria à notícia. Tampouco na hora em que o dinheiro estivesse na conta. Após algum tempo de choque, finalmente Haroldo resolveu agir.

— TORRAR! — berrou ao ver o resultado do sorteio.

E foi embora. Nem se deu ao trabalho de pedir demissão no trabalho. Simplesmente sumiu.

Retirou o prêmio, mas não sabia onde guardar o dinheiro. Por isso, abriu uma poupança e fez o grande depósito. A gerente do banco quase teve orgasmos múltiplos na mesa.

Depois, foi até a Kopenhagen e comprou um ovo de páscoa de 10 kg. O da vitrine mesmo. Sempre teve curiosidade para comer aquilo. Em casa, devorou aproximadamente 400 g, embalou e guardou no armário. Chega de chocolate.

E agora? O que fazer? Passou a ficar ansioso.

Fez uma rápida pesquisa no Google, descobriu um pet shop onde poderia comprar um beija-flor, separou uns cinco mil reais em dinheiro e foi até o metrô.

Após passar pelos bloqueios, dirigiu-se até porta de um dos vagões e deu notas de 100 reais para que os passageiros não entrassem nesse que tinha escolhido. Os usuários, sem entender muito, foram para outras partes do trem.

Haroldo entrou e fez mais uma manutenção para que ninguém adentrasse o vagão. Assim que as portas se fecharam e o trem começou a andar, Haroldo soltou o pássaro. Finalmente poderia tirar a dúvida se um beija-flor, que consegue se manter imóvel no ar durante o voo, sofreria com a inércia do trem. Era algo que se perguntava todos os dias.

Contrariando suas expectativas, o pássaro voou um pouco e logo pousou em um banco. É. Dinheiro não serviria para persuadir a ave. Logo ao parar na próxima estação, desistiu da experiência e levou o beija-flor consigo para casa.

— Você vai se chamar Agenor! — disse para o novo amigo.

Haroldo dedicou o resto do dia para satisfazer mais de suas curiosidades. Depois de montar o cantinho do Agenor em casa, foi até a Avenida 23 de Maio para realizar um sonho de infância: descer as quatro faixas do Monumento das Ondas de Tomie Ohtake de bicicleta.

Foi mais sem graça do que imaginava. Nem precisou subornar algum guarda. Tinha até reservado dinheiro para isso.

Dias depois, contratou uma agência de eventos. Resolveu organizar um festival: Rock in Harold. Alugou o Vila Country e chamou o Gustavo Lima, Restart, Sandy e Luan Santana.. Acertou os cachês e cobrou ingressos do público.

A casa lotou. Durante o show do Gustavo Lima, Haroldo ficou no camarote com uma potente caneta laser. Entre uma música e outra, apontava com o laser no rosto e olhos do cantor, que se atrapalhou, mas achou que fazia parte dos holofotes.

Na apresentação do Restart, Haroldo usou um mini-canhão de ar para disparar fragmentos de papel higiênico molhado nos adolescentes. Em poucas músicas do set, o baixo do Pe Lanza ficou cheio de bolinhas grudadas.

Quando a Sandy começou a cantar, Haroldo foi até a mesa de som e experimentou uma série de efeitos aleatórios na voz dela. Ecos, voz de robô, sintetizadores de pato. Depois, cortou o volume do microfone e substituiu o áudio com sua imitação do Sílvio Santos, interpretando as mesmas músicas que a banda apresentava.

— Eu faço o que eu quero nessa porra! — gritou.

Com tanto desrespeito, Luan Santana pensou em dispensar o cachê. Mas suas fãs gritavam tanto, que voltou atrás. No momento em que subiu no palco e abriu a boca para cumprimentar o público, Haroldo desligou a chave geral do Vila Country e derreteu os controles com um maçarico, aos risos.

Confusão. Sinceramente, não sei como Haroldo escapou dessa história toda. A polêmica saiu na Folha, Estadão, UOL, Terra e etc. O burburinho durou um tempo e, como várias outras notícias, foi esquecido.

Haroldo percebeu que estava cometendo loucuras cada vez maiores com o prêmio. E o dinheiro ainda estava rendendo na poupança, o que aumentou sua fortuna.

Foi então que teve uma ideia brilhante. Virou para Agenor e falou:

— Vou gastar tudo de uma vez!

— Piu? — respondeu Agenor.

Haroldo resgatou todo o dinheiro de sua poupança e sacou seu novo e astronômico limite de cheque especial do banco.

Comprou uma rede de televisão, cinco Ferraris, dois Porsches, um Monster Truck e o Canindé.

Cumprindo um cronograma elaborado, imprimiu, foi ao centro de São Paulo e distribuiu 20 mil ingressos das arquibancadas.

Gastou todo o dinheiro em um excêntrico programa de seu novo canal.

No primeiro dia, a Harold TV transmitiu 12 horas ininterruptas de um Monster Truck destruindo carros de luxo no gramado do estádio. O próprio Haroldo conduzia o gigantesco veículo com Agenor em seu ombro.

Quando destruiu a última 612 Scaglietti, Haroldo suspirou aliviado.

— Finalmente, estou livre do dinheiro, Agenor!

— Piu?

E foi um grande engano. A rede e o programa bateram recordes mundiais de audiência e acabaram comprados pela ABC.

Hoje, com a antiga fortuna triplicada, Haroldo e Agenor vivem em uma ilha particular no sul do Pacífico.